Hoje, a maioria dos países deste continente estão a anos luz do passado, tendo-se verificado uma enorme redução da pobreza, tendo como corolário o desenvolvimento de uma emergente classe média. A Colômbia, por exemplo, conseguiu numa década que a sua classe média crescesse de 15% para 30% (a pobreza representa ainda 29%). Esta classe média, que já representa em muitos casos um terço da população, exige agora mais saúde, educação, serviços, energia e infraestruturas que não existem. A dimensão destas necessidades é de tal magnitude que os recursos públicos são notoriamente insuficientes e, por essa razão, mas também por eficiência administrativa e financeira, tem-se recorrido de forma crescente ao investimento privado por meio de PPP (parcerias público-privadas).

Nos sectores específicos de infraestruturas e energia, os grandes beneficiários destas oportunidades foram os grupos brasileiros que expandiram a sua actividade a todo o continente. Porém, sabemos agora que o crescimento desses grupos foi suportado por práticas menos correctas ou, em muitos casos, totalmente ilícitas. O recente escândalo da Odebrecht, o gigante brasileiro que ganhou e controlava as principais obras públicas e PPP no continente, foi o game changer das condições de mercado. Os grupos brasileiros e as empresas locais que foram seus parceiros estão feridos de morte ou tão debilitados que quase desapareceram destes mercados. Estão criadas condições excepcionais para que grupos exteriores ao continente possam entrar nestes mercados e criar raízes investindo. Naturalmente os grupos espanhóis já estão de volta e contam não só com a sua afinidade cultural, fortaleza técnica e financeira, mas também são acompanhados pela eficiente máquina de promoção e apoio político-financeiro do seu governo. Por sua vez, os grupos portugueses dos sectores da construção e obras públicas apostaram fortemente em Angola, Venezuela e outros países africanos, mercados que se volatilizaram diante de graves problemas estruturais. Ainda que com atraso, é tempo de olhar para a realidade dos países latino-americanos, com bons ratings, ampla disponibilidade de liquidez e, mais importante, estabilidade política. As empresas portuguesas de construção civil e obras públicas são reconhecidas mundialmente pela qualidade da sua engenharia e competências técnicas, o que lhes falta então para uma afirmação plena neste continente latino-americano? Culturalmente sentem-se à vontade, os mercados não lhe são hostis, mas falta-lhes a capacidade financeira. É aqui que deve entrar o governo português, evitando em primeiro lugar a dispersão de recursos por diversas entidades, de seguida criando um programa operacional destinado a apoiar um grupo seleccionado de empresas com competências de valor acrescentado. Muito se tem falado recentemente da necessidade de gerar instrumentos de capitalização, pois bem, é precisamente nestas empresas que se deve enfocar este esforço, obviamente acompanhado de outros instrumentos financeiros, como garantias que permitam credibilizar os esforços de investimento.

Tantas vezes abusamos das referências históricas ao nosso passado de agente globalizador desde os tempos dos Descobrimentos, chegou o tempo de lhe dar uma nova substância com acções enfocadas e pragmáticas, os portugueses e os latino-americanos agradecem.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.