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BRICS testam novas opções à ordem mundial e apoiam Putin para o fim à guerra

Foi preciso o grupo chegar à sua 15ª cimeira para chamar a atenção do ocidente e dos Estados Unidos. De algum modo, a guerra na Ucrânia foi o fator que mudou tudo e que está a empurrar o mundo para outra bipolaridade. Entretanto, falou-se do fim da guerra.
epa10813792 South African President Cyril Ramaphosa speaks during the 15th BRICS Summit, in Johannesburg, South Africa, 22 August 2023. South Africa is hosting the 15th BRICS Summit, (Brazil, Russia, India, China and South Africa), as the group’s economies account for a quarter of global gross domestic product. Dozens of leaders of other countries in Africa, Asia and the Middle East are also attending the summit. EPA/KIM LUDBROOK
24 Agosto 2023, 07h30

Delegados das principais economias emergentes e dezenas de líderes de todo o mundo em desenvolvimento estão reunidos, desde esta terça-feira, em Joanesburgo para a cimeira dos BRICS – que se apresenta como muito mais que um encontro entre cinco países. Para todos os analistas, é o chamado Sul Global que está a testar as suas possibilidades de emergir como potência conjunta e passar a marcar a agenda internacional. E foi no seu seio que o presidente russo, Vladimir Putin, afirmou estar interessado em acabar com a guerra na Ucrânia.

O presidente russo disse aos delegados da cimeira que Moscovo quer acabar com a guerra na Ucrânia que foi “desencadeada pelo ocidente e seus satélites”. A reação foi imediata: os BRICS comprometem-se a acabar com guerra na Ucrânia, disse Lula da Silva, presidente do Brasil – para quem os países que compõem o grupo estão comprometidos com os esforços ucranianos e russos para acabar com a guerra. E criticou as limitações do Conselho de Segurança das Nações Unidas em lidar com o conflito – órgão das Nações Unidas onde, aliás, o grupo exige deter uma posição permanente.

Falando na cimeira em Joanesburgo, Lula disse que “estamos prontos para nos juntar a um esforço que possa efetivamente contribuir para um cessar-fogo rápido e uma paz justa e duradoura”, até porque “a guerra na Ucrânia destaca as limitações do Conselho de Segurança da ONU”. “Os Brics devem atuar como uma força de entendimento e cooperação. A nossa disposição é expressa nas contribuições da China, da África do Sul e do meu próprio país para os esforços para resolver o conflito na Ucrânia”, disse Lula da Silva.

Para os membros do grupo, o Sul Global, que representa 85% da população mundial, está “à margem em termos de tomada de decisões globais”, enquanto as instituições políticas e financeiras são dominadas por alguns, poucos, países do ocidente, disse Anil Sooklal, embaixador da África do Sul nos BRICS, citado por vários jornais.

A cimeira debate também alternativas consistentes à moeda global que é o dólar – e o simples debate é já considerado uma afronta ao seu domínio – para além de ter na sua agenda a possibilidade do alargamento. Um tema controverso, que nem todos os países têm apoiado (África do Sul e Índia são os mais reticentes), uma vez que a entrada de novos Estados-membros pode condicionar a capacidade de influência da agenda própria de cada um dos cinco atuais participantes.

Ao contrário, os que apoiam o alargamento (como a China e a Rússia) argumentam que acrescentar população e riqueza ao agregado dos BRICS é precisamente aumentar a sua influência. De qualquer modo, é possível que no final da cimeira (esta quinta-feira) nenhuma conclusão definitiva tenha sido adotada. Criado em 2009, os BRICS representam 40% da população mundial e respondem por 25% da economia e por 20% do comércio globais.

Durante anos, os BRICS pareceram apenas um grupo pouco coeso, onde a divergência de interesses era bem mais vincada que a convergência. Inesperadamente, tudo mudou há cerca de 18 meses, com a guerra na Ucrânia e o aumento dos desentendimentos entre a China e os Estados Unidos – o que, bem analisada, é também uma consequência da guerra. A plataforma passou rapidamente a ser uma das poucas saídas internacionais para a Rússia, ao mesmo tempo que era também uma zona de crescente influência da China. Qualquer semelhança entre o que se está a passar na África do Sul e o período da Guerra Fria – quando o mundo era bipolar – não é mera coincidência, dizem cada vez mais analistas.

Os BRICS mais Xangai

Neste quadro de reorganização geopolítica planetária, vale a pena fazer o exercício de somar o ‘universo BRICS’ ao ‘universo Organização de Cooperação de Xangai’ – outra plataforma onde Rússia e China convergem e serve para acomodar as suas opções. Se os dois grupos, que neste momento evoluem em paralelo, juntarem as suas agendas, o debate sobre quem manda no planeta poderá mudar radicalmente em pouco tempo.

Alguns analistas consideram esta equação (a soma das duas organizações) um mero disparate. Mas talvez os seus Estados-membros não achem o mesmo. E uma convergência de agendas pode transformar-se em pouco tempo num ‘admirável mundo novo’ que ninguém soube antecipar.

Para todos os efeitos, a reunião dos BRICS (a 15ª) nunca mereceu antes tanta atenção por parte do ocidente, Estados Unidos incluídos – com os principais jornais a não passarem à margem do encontro na África do Sul). O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, o presidente chinês, Xi Jinping, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, participam presencialmente, enquanto o russo, Vladimir Putin, fará uma aparição virtual. Mais de 40 líderes de economias emergentes participarão em reuniões à margem da cimeira. Muitos, incluindo Arábia Saudita, Irão, Argentina, Indonésia e Egipto, manifestaram interesse em aderir ao bloco.

Para a consultora XTB, “a reunião dos BRICS, que terá lugar esta semana na África do Sul, continua a ser uma importante porta de entrada para o resto do continente e especialmente para a África Austral, onde existem abundantes recursos minerais que são essenciais para as indústrias emergentes de inteligência artificial. Desta vez, a atenção está voltada para a formação dos BRICS, que poderá vir a ser conhecida como BRICS+, com 22 países a já pedirem para aderir e muitos a mostrarem interesse”.

E coloca o foco num dado essencial:  os ‘países do alargamento’ “incluem a Argélia, a Argentina, o Egipto, o Irão, o México, a Nigéria, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, todos eles ricos em petróleo e gás e com uma grande balança comercial entre os principais países dos BRICS”. Num quadro em que há 18 meses que a dependência energética da Europa é um tema central, a União Europeia tem todo o interesse em observar o que está a passar do outro lado da linha estratégica, que traçou recentemente, e que coloca uma parte destes países do outro lado.

A consultora recorda: “a ascensão dos BRICS e as sanções unilaterais impostas à Rússia, bem como a exclusão da Rússia do sistema financeiro mundial SWIFT, alimentaram o impulso para a ‘desdolarização’. Desde que as sanções foram impostas, cada vez mais o comércio entre certos países do Sul global começou a ser efetuado em moedas que não o dólar. Por exemplo, a moeda chinesa tornou-se a moedas preferida para algumas transações entre os países dos BRICS (Brasil, Índia, Irão e Arábia Saudita)”.

Os resultados mais importantes esperados desta reunião, segundo a XBT, são a utilização de uma moeda única, a promoção da utilização de moedas locais, a análise do formulário de candidatura de novos membros e o desenvolvimento de uma defesa comum, “especialmente para os países BRICS, que representam cerca de 400 mil milhões de dólares em despesas militares e têm 6.500 armas nucleares instaladas”.

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