No inverno de 1882, era fundada a Berliner Philaemoniker, Orquestra Filarmónica de Berlim. Na sua fundação, a orquestra era composta por 46 cordas, mas a interpretação de determinadas obras exigia que esse número crescesse, até aos 78 de hoje. Atualmente, a orquestra é composta por 128 instrumentistas. Quem queira assistir a um concerto na sua “casa”, a Philarmonie, na cidade de Berlim, deverá desembolsar entre 39 e 79 euros para ter acesso a um dos 2.440 lugares.

E o que esperar de um concerto da Orquestra Filarmónica de Berlim? Chegar com uma meia hora de antecedência, olhar para a arquitetura da sala, aguardar pelos primeiros acordes, em silêncio. Porque não dá para entrar na sala depois do início do concerto. E quando chega ao andamento? Não bater palmas. Maestros há que se queixam de público “que não sabe estar”, que nem sequer toleram espetadores a tossir ou a espirrar. O comportamento mais seguro é uma verdadeira radiografia ao tórax: “não mexe, não respira”.

Os códigos tradicionais deste tipo de espetáculo foram sendo interiorizados por todos como de eruditos, seletivos e vistos como indícios de comportamento educado e culto. Porém, é natural que estes códigos de conduta possam gerar a repulsa de quem não tem contacto com este universo, intimidando a espontaneidade e o entusiasmo do público.

Agora, imagine-se uma valsa de Johann Strauss. E, por instantes, ousemos comparar uma interpretação por uma orquestra tradicional, ou por André Rieu e sua orquestra. Neste, podemos bater palmas, dançar, cantar, entrar mesmo chegando atrasados? Podemos. Pode André Rieu atuar com a sua orquestra numa qualquer sala, ao ar livre, num estádio de futebol? Pode. Salas que comportam dez, quinze, vinte mil pessoas.

E quantos instrumentistas são necessários para um concerto? Cinquenta? Sessenta? E quanto custa um bilhete para assistir? Em Lisboa, estão anunciados espetáculos com preços entre 40 e 120 euros, depois de atuações anteriores completamente esgotadas. Em Antuérpia, o espetáculo anunciado para o próximo ano já transaciona ingressos a 250 euros. Em Madrid, há bilhetes à venda acima dos 500 euros.

Mas afinal, o que é um espetáculo do holandês Rieu? É um concerto de música clássica? Não. É um teatro? Não. É um musical? Não. É uma experiência, é uma festa, é alegria. E quem vai? Qualquer pessoa que se queira divertir, mesmo que nunca fosse a um concerto de música clássica, a um teatro seleto, vestido a rigor.

Este contraste ilustra bem o que há para além das fronteiras do nosso negócio, e o trabalho que temos pela frente à procura de novas cadeias de valor e de “não clientes” da nossa oferta clássica, tantas vezes esgotada, formatada para necessidades e comportamentos que não são mais os que eram. É o Uber (a propósito, já alguém comparou o preço do Uber com o preço de um Táxi nas horas de maior tráfego?), é o car sharing, as fintech, a distribuição online.

Uns mais disruptivos do que outros. Rieu inova sem provocar terramotos, pois não creio que a maioria do seu público alguma vez fosse a uma sala clássica assistir a um concerto. Outros, subtraem negócio aos incumbentes, alterando por completo o modelo existente e desmantelando barreiras à entrada, inusitadamente, na forma e na rapidez.

Afinal, quando gerimos negócios maduros é fácil esquecermo-nos que há todo um potencial de crescimento que existe à disposição, para ser descoberto, mas que estranhamente nos passa ao lado. Os que estão, têm o essencial para levar vantagem: mercado, clientes, recursos, conformidade.

Então, o que os leva a permitirem o desmantelamento de barreiras por parte de novos chegados, atuando quase sempre por reação? E o esforço que fazem para serem iguais aos demais, quando tantas vezes têm fatores distintivos na sua essência, qual rastilho para gerar mais valor? Provavelmente, a solução está na receita, porque os ingredientes estão todos lá.