O CDS viu-se reduzido nas eleições do último domingo ao mesmo número de deputados que elegeu em 1991. Se os maus resultados de então tiveram como circunstância atenuante o momento triunfante que o PSD então vivia, o mesmo não se aplica actualmente, o que torna a derrota centrista mais pesada ainda.

O partido terá sido diferidamente penalizado pela governação impopular dos anos penosos da troika. Os resultados eleitorais da direita parecem, aliás, espelhar o facto de a vitória alcançada pela coligação Portugal à Frente, em 2015, ter sido devida menos ao apoio à sua política do que ao temor de um regresso à austeridade severa, argumento amplamente explorado por esta.

Os resultados dos centristas serão também, e sobretudo, fruto de outros factores, mais profundos, de cariz identitário. Apresentado ao país, em Julho de 1974, já o processo revolucionário tomava forma, como um partido “rigorosamente ao centro”, o CDS seria, de facto, um partido de direita, não apenas porque era essa a filiação ideológica da maioria dos seus dirigentes, mas também porque era à direita que o seu eleitorado se situava.

O CDS representou, assim, alguns dos valores e causas fundamentais da direita portuguesa, caracterizada por um conservadorismo de matriz católica. Defensor da família e da vida, entusiasta da liberdade de educação como condição de sobrevivência do ensino católico, valorizador da História e do património como sua expressão material, bem como do aprofundamento das relações com os antigos territórios ultramarinos entretanto tornados Estados soberanos, o CDS logrou compatibilizar as causas da direita com o compromisso com a democracia e o futuro europeu que fazem de igual modo parte do seu código genético.

Face à evolução posterior da sociedade portuguesa, decorrente da intensificação da urbanização, da crescente secularização e da abertura ao mundo de um país entretanto integrado na Europa, consolidou-se no CDS a convicção de que era necessário rever o discurso por forma a adaptar o partido às mudanças em curso. No entender dos novos dirigentes, o partido precisava de um novo foco.

Duas vias foram tentadas.

A liberal, que teve como primeiro representante Francisco Lucas Pires, influenciada pelas políticas de Thatcher e Reagan, embora temperada pelas suas convicções personalistas e que deve ser interpretada na sua dimensão reactiva face à estatização da economia que se prolongou até 1989, via que assumiria renovado protagonismo nos anos mais recentes – já menos moderada pela progressiva erosão da matriz democrata-cristã –, por iniciativa de uma nova geração influenciada pelo pensamento político anglo-saxónico.

E a via eurocéptica, correpondente à presidência de Manuel Monteiro, opção que, agradando às franjas mais direitistas, causou a ruptura com os moderados, entre os quais se contava o núcleo duro dos fundadores, e que privou o entretanto renomeado Partido Popular de possíveis entendimentos com o PSD, o que o afastava da área do poder.

Superada a vertigem eurocéptica com a chegada de Paulo Portas à liderança, o partido ensaiou uma tentativa de coabitação – necessariamente problemática – entre causas conservadoras e neo-liberais. Foi o partido dos reformados, dos antigos combatentes e da lavoura. Mas foi também o partido que recuperou a agenda liberal, já não movida pelo objectivo de privatização da economia, entretanto consumada, mas pela revisão das funções do Estado, em sentido restritivo, agenda dificilmente apelativa num país com uma classe média débil e não particularmente convincente para o eleitorado tradicional do CDS, cujo conservadorismo o faz preferir um Estado forte e de prestígio a um Estado mitigado.

Nos anos mais recentes, o CDS tem evidenciado decrescente empenho em representar os valores conservadores, apresentando-se ideologicamente indefinido, estratégia arriscada para um partido de relativamente pequena dimensão, cuja sobrevivência depende de nichos eleitorais. Sendo o eleitorado conservador hoje em dia menos numeroso do que há 40 anos, é porém aquele que lhe poderá garantir a sobrevivência a prazo, até porque a agenda neo-liberal, além de pouco atractiva para este, como se referiu, é hoje disputada por uma outra força política que a assume como doutrina.

O retorno ao conservadorismo – que, como o CDS dos primeiros anos demonstrou, não é incompatível com a democracia e o pluralismo, – é uma via possível, se não mesmo a única, que os centristas poderão trilhar no futuro próximo, até porque não existe actualmente um partido que autenticamente o represente.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.