2020 será o primeiro ano do resto da vida da União Europeia. Pela primeira vez nas seis décadas da sua história, a União é confrontada com a saída de um Estado-membro. Embora o Brexit não constitua o princípio do fim da União Europeia (UE) e possa até contribuir, mesmo que temporariamente, para um reforço da sua coesão, o inédito acontecimento não deixará de abalar o projecto europeu, actualmente já confrontado com vários problemas internos e externos.

Externamente, a UE vê-se a braços com uma situação internacional problemática. A Rússia, que fez da marginalidade uma política de Estado, constitui uma ameaça latente, sobretudo para os países que foram outrora parte do império soviético. Por seu turno, a Europa não pode já contar com o apoio firme e incondicional do aliado norte-americano, pois Trump, que não gosta particularmente da UE e tem manifestado reservas quanto ao futuro da NATO, parece apostado em acentuar a revisão das alianças estratégicas dos Estados Unidos em desfavor dos europeus, opção já evidenciada na presidência anterior.

Paralelamente, a Europa confronta-se com o perigo terrorista que reemerge episodicamente e que não se dissipará tão cedo. As vagas de refugiados constituem também um problema cuja resolução não se tem revelado fácil, gerando tensões entre os Estados-membros e contribuindo para a reemergência dos nacionalismos por todo o espaço europeu, nutridos também pelas sequelas da crise económica de 2008 e de um sistema económico carente de reforma pois, segundo os oráculos dos tempos modernos – os economistas –, uma nova crise se perspectiva já, possivelmente para este ano.

Em face de tais desafios, parece consensual que a UE carece de reformas que a tornem capaz de os superar. Porém, persistem dúvidas quanto ao rumo que a Europa vai prosseguir e quem liderará o processo. Tudo dependerá das eleições na Alemanha em 2021 e em França no ano seguinte.

Emmanuel Macron, decerto visando o triunfo na frente externa que compense o somatório de fracassos na política doméstica, esboçou já um ambicioso plano de reforma da União, mas não é certo que permaneça no Eliseu por tempo suficiente para lhe dar execução. Quanto à Alemanha, por ora não é possível prever quem vencerá as eleições, nem com que margem, não sendo ainda claros os planos dos principais partidos políticos para o futuro da Europa, persistindo igualmente a incerteza quanto ao peso político que o eurocéptico Alternativa para a Alemanha venha a alcançar no sufrágio do próximo ano.

Independentemente do projecto de reforma que venha a ser desenhado para o futuro da União, dois grandes obstáculos cuja superação, ainda não conseguida, será vital para o progresso do projecto europeu, deverão ser considerados.

O primeiro deles é a aproximação das instituições europeias ao cidadão comum. Para a maioria dos europeus, Bruxelas continua a ser remota e desconhecida, um gigante burocrático do qual, não sem alguma razão, desconfiam, porque alheios a um processo de decisão escassamente representativo, mas que condiciona as suas vidas.

O segundo – e esta é a mais difícil barreira a transpor, que não cabe apenas aos políticos, antes será uma tarefa de todos os que acreditam na Europa – será a promoção de um sentimento de pertença a uma união que é não apenas económica e política, mas que, nos seus fundamentos, radica num património civilizacional comum.

Este foi, até hoje, o maior falhanço do projecto europeu, não tendo várias gerações de políticos e de intelectuais que profusamente reflectiram e escreveram sobre a identidade da Europa, logrado conquistar os espíritos dos europeus, criando neles uma dupla fidelidade – à nação e à Europa – que não se auto-excluem, antes se complementam. Só uma Europa que os cidadãos sintam como parte da sua identidade pode mobilizar as vontades, condição indispensável para o seu progresso.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.