Ao exercermos um juízo de avaliação sobre os outros podemos, numa multiplicidade de perspetivas mais ou menos polarizadas ver virtudes e defeitos no carácter; salientar as boas e más ações; e concordar e discordar na ideologia. Na nossa vida privada tendemos a ser benevolentes no juízo sobre o carácter, as ações e a ideologia dos outros. Perdoamos tudo às crianças, em especial aos filhos. Na vida adulta, fomentamos amizades na tolerância e no respeito pela diferença. Aos mais velhos suportamos tudo pelo respeito que o posto da idade impõe.
Porém, aos políticos, pouco ou nada é perdoado. Tendemos a condicionar a nossa visão do carácter e das ações dos políticos de acordo com a nossa inclinação ideológica e com um falso arquétipo que recorda o culto do líder perfeito das ditaduras. A emotividade que gira à volta do “clubismo partidário” enviesa especialmente o nosso juízo sobre os políticos. Criámos durante décadas nas sociedades democráticas mediatizadas – onde tudo é registado em texto, som e imagem ao segundo – o culto do “político de plástico”, isto é: o político que não chora e que não mostra os dentes a rir; o político que só diz coisas inteligentes e não ofende ninguém; o político que tem de ser licenciado; o político que vai ao futebol e não chama nomes ao árbitro; o político que pede faturas de todos os cafés que bebe; o político que não diz asneiras no trânsito e ao telefone com amigos.
Como diz o provérbio, “cuidado com o que desejas pois poderás ser atendido”. De facto, nas últimas décadas, votámos uma e outra vez a favor de políticos polidos e fingidos, em detrimento de políticos “humanos” e frontais. Em contraste com o passado recente, vivemos hoje um período de saturação do político de plástico, o que contribuiu para a eleição de líderes com estilos mais informais e descontraídos, como Barack Obama, ou mesmo politicamente incorretos e malcriados, como Donald Trump. Os eleitores querem agora pessoas de carne e osso na política.
É neste ângulo e contexto que presto a minha modesta homenagem a Mário Soares que à hora que escrevo está em coma profundo, lutando pela vida. Hoje, mais do que nunca, tenho saudades do político e homem Mário Soares. Mário Soares não é perfeito. Mário Soares não é politicamente correto. Mário Soares fica irritado quando lhe passam uma multa na estrada por excesso de velocidade. Mário Soares é vaidoso. Mário Soares fala de improviso. Mário Soares nem sempre lê os dossiês. Mário Soares adormece nas conferências…
Assim é Mário Soares, com os seus defeitos e virtudes, com uma vida repleta de derrotas e vitórias, com um pensamento ideológico marcado e com um imenso coração.
Podemos criticar muitas coisas “humanas” em Mário Soares, mas num balanço plenamente justo do seu carácter, das suas ações e do seu pensamento ideológico, devemos sempre enaltecer a sua energia contagiante, a sua determinação na luta contra o fascismo e na defesa de uma democracia pluripartidária em Portugal e, no que a este texto respeita, a sua naturalidade, frontalidade e descontração. Mário Soares é e será sempre fixe, tal como o vemos no majestoso e fiel retrato de Júlio Pomar.