1. Entre as seis prioridades anunciadas para a nova Comissão Europeia presidida por Ursula von der Leyen (“A Union that strives for more – My agenda for Europe – Political Guidelines for the Next European Commission 2019-2014) está “Uma Europa adaptada à era digital”.

Partindo da verificação de que “as tecnologias digitais, especialmente a Inteligência Artificial (IA) estão a transformar o mundo a uma velocidade sem precedentes”, da crescente relevância da Internet das Coisas, da recolha de quantidades crescentes de dados, ou da emergência das redes 5G, von der Leyen propõe-se atingir “soberania  tecnológica” em algumas áreas críticas. Para o efeito, anuncia-se o investimento em “blockchain, computação de alto desempenho, quantum computing, algoritmos e instrumentos que permitam a partilha e o uso de dados”.

Elemento crucial, a ponto de estar prometido para os primeiros cem dias da nova Comissão, é a “legislação dirigida a uma aproximação europeia às implicações humanas e éticas da Inteligência Artificial”. Subjacente está a ideia de estabelecer standards que possam ser globalmente adotados.

Neste contexto, ganha especial destaque a literacia digital, através do Plano de Ação para a Educação Digital, dirigido tanto a jovens como a adultos. “Skills e educação são o motor da competitividade e da inovação da Europa”.

2. Tenhamos presente o contexto em que esta nova opção política europeia surge.

Entre as dez empresas mais valiosas do mundo (tendo em conta a sua capitalização em bolsa), sete são empresas de base tecnológica, à cabeça das quais estão a Microsoft, a Apple, a Amazon e a Alphabet (que detém a Google). Oito são americanas e duas são chinesas. O modo como estas empresas afetam o modo de vida de todos os cidadãos europeus, o volume de dados que possuem e a sofisticação da sua utilização representa uma mistura explosiva.

De acordo com um relatório do McKinsey Global Institute, (“Notes from the AI Frontier – Tackling Europe’s Gap in Digital and AI”, de fevereiro de 2019), apenas duas empresas europeias figuram no top 30 mundial de empresas digitais e, embora a Europa possua 25% das startups de IA, apenas 10% dos unicórnios digitais são europeus.

Na Europa, quer o investimento público quer o privado em investigação e desenvolvimento de IA são significativamente mais baixos que nos Estados Unidos e na China, o que explica que a corrida tecnológica esteja claramente a ser perdida pela Europa.

3. Deve assim aplaudir-se a prioridade digital de Ursula von der Leyen.

É urgente uma combinação entre um investimento forte e estrategicamente desenhado nas tecnologias digitais, um ambiente regulatório que proporcione segurança e estabeleça limites éticos e uma educação para o digital dirigida a todos.

Para o efeito, é importante que a investigação e o ensino sobre IA não estejam circunscritos às suas dimensões técnicas. Todas as vertentes da economia e da sociedade estão a ser transformadas pelas tecnologias digitais, especialmente pela IA. Deste modo, a reflexão sobre estas tecnologias deve beneficiar do cruzamento de saberes, tendo em vista garantir que o fator humano permanece no centro do desenvolvimento tecnológico.

É este o objetivo central do grupo de investigadores que, desde 2017, no âmbito do Católica Research Centre for the Future of Law, se dedica aos temas suscitados pelo cruzamento entre IA e Direito. A atividade conjunta aí desenvolvida por juristas, engenheiros e neurocientistas tem demonstrado, na minha opinião, que a literacia digital e a educação para uma ética da tecnologia são temas transversais e incontornáveis do nosso ecossistema de ensino e de investigação.