Algures em 1970, era noticiado o lançamento da primeira pedra de uma escola na freguesia de Carnaxide, pela Sr.ª D.ª Sylvia Van Lennep, esposa do presidente da Philips. Confesso que não conheço a pessoa em questão e estou longe de escrever este artigo por querer falar de eletrónica de consumo.

A referida Sr.ª D.ª estava longe de imaginar aquilo que o nome dela ia significar para mim e para as pessoas que fazem parte da minha comunidade: lançou a primeira pedra da Escola Sylvia Philips.

Há três razões para considerar este lugar especial: o primeiro é o facto de ser o espelho da entrada na comunidade de uma freguesia onde gerações ainda se conhecem, se reconhecem, convivem e mostram empatia e respeito entre elas.

Segundo, foi na Sylvia Philips que, com apenas cinco anos, lancei a primeira pedra daquilo que hoje são algumas das minhas maiores e melhores amizades.

E terceiro, e mais relevante para este artigo, foi o sítio onde comecei a perceber o que é isto da democracia.

De quando em vez, os meus pais levavam-me, num dia que parecia importante, a acompanhá-los a pôr uma cruzinha num papel.

Nesse dia, via as gerações que se conhecem e reconhecem dentro da escola. Todas(!) dentro da escola.

Os avós e pais, que costumavam estar à porta à nossa espera, estavam nas salas de aulas a responder a um teste de pergunta única, com resposta de escolha múltipla.

Os meus pais nem sempre sabiam a resposta, mas ensinaram-me que era importante ir ao teste e não chumbar por falta de participação.

Quis o destino que os meus primeiros votos fossem em 2011, e logo a dobrar, presidenciais e legislativas, sendo que percebi que me preparei para dois testes que não metiam medo, eram testes alegres, eram a festa da democracia.

Ora aí está algo que o leitor não é obrigado a saber sobre mim: gosto imenso da democracia e sou um grande apreciador de festas, sendo que fico particularmente chateado quando uma pandemia impossibilita as segundas e pode desestabilizar a primeira.

E porquê desestabilizar a primeira? Em primeiro lugar, porque há uma geração com medo de ir votar, medo de que não ver filhos e netos crescerem seja um preço demasiado elevado para colocar uma cruz num papel, o que me parece legítimo.

Segundo, porque o facto de isto parecer uma eleição ganha à partida adicionou ao medo uma potencial desmobilização do eleitorado moderado.

E terceiro, como já nos mostrou o mundo lá fora: malta extremada é relativamente mobilizável.

Ora aqui está uma boa oportunidade para a minha geração, que anda há demasiado tempo a ser reacionária nas redes sociais e a acreditar que a democracia se faz atrás de um teclado. Pois bem, não faz!

A democracia faz-se da participação na comunidade, do contributo para os debates da sociedade civil, na defesa e mobilização perante causas. Votar não significa ser democrata, significa participar na rotina mais básica e menos exigente da democracia.

Não chega o teclado digital, é preciso a caneta analógica. E é-me indiferente se são a favor de “lábios vermelhos” ou se gostam mais de “contrabando”, não quero saber se têm um “avô bêbedo” ou se são “operários betos de Cascais”, não sei se são “liberais que afinal são de esquerda” ou se gostam do “candidato do sistema”. Um smartphone não é uma urna. O importante é votar.

Já que temos de ficar sóbrios, que façamos a única festa que podemos fazer: a da democracia.