A mexicanização da política portuguesa é uma realidade presente no setor aéreo há alguns anos. Um mega-ministério das Infraestruturas, omnipotente e omnipresente, construído por Pedro Nuno Santos, absorve tudo e todos aqueles que estão, de alguma forma, envolvidos na cadeia decisória, de valor e de escrutínio da aviação em Portugal.

O legado institucional deixado pelo agora secretário-geral do PS deixa a porta aberta para subtis abusos e manipulações de poder. Este ministério é, simultaneamente, proprietário dos aeroportos; tutela da companhia aérea pública – a maior do país; tutela do coordenador de slots dos aeroportos; “tutela” do regulador; legisla e executa contratos e política pública em todas as áreas do setor.

Como se não bastasse, o concurso público internacional para avaliar o aeroporto que tinha sido adjudicado a um consórcio com ampla experiência efetiva e real no planeamento e construção de aeroportos, foi derrubado pelo ex-ministro Pedro Nuno Santos e substituído por esta Comissão adjetivada de técnica e independente por decreto.

As vicissitudes (des)governativas fizeram com que, no dia da apresentação oficial do relatório preliminar da “Comissão do Aeroporto de Alcochete”, o primeiro-ministro, primo da presidente dessa mesma Comissão, acumulasse também o cargo de ministro das Infraestruturas. Esta promiscuidade não é apenas triste. Ela tem também graves consequências.

Num dos países mais periféricos e mais turísticos da Europa, sem qualquer rede de alta velocidade, não existem companhias aéreas regulares privadas – estamos limitados a duas empresas públicas que (sobre)vivem com injeções de dinheiro mais ou menos frequentes dos contribuintes. No outro extremo do continente, e num país semelhante, a Grécia tem duas companhias aéreas privadas de voos regulares e nenhuma pública.

Mais a norte, a discreta e pequena Irlanda deu à luz a companhia líder de tráfego na Europa, a Ryanair, e vendeu a sua companhia estatal aos ingleses. Com uma iniciativa privada aniquilada pela arbitrariedade estatal, este governo definiu como interesse estratégico de Portugal a questão da capacidade aeroportuária em Lisboa, a região nacional que já é líder e que funciona como funil para todo o país.

O atual aeroporto da capital, na sua condição de “esgotado”, representa 50% do total de movimentos e passageiros de Portugal. Com o futuro aumento dessa capacidade, o desequilíbrio será inevitavelmente mais acentuado e em contraciclo com o que acontece nos outros países europeus. França, Holanda, Dinamarca, Alemanha, Itália – até a Albânia – apostam na diversificação do acesso ao seu território. Sem isso, os seus aeroportos principais já estariam também esgotados, e a sua duplicação ou triplicação seria inevitável.

Concretizando: em Espanha, no início do milénio, o aeroporto de Madrid representava mais de 20% dos movimentos de todos os aeroportos espanhóis; hoje – apesar do seu crescimento em termos absolutos – Madrid representa apenas 15% do total. Com uma presidente da Comissão que já comentou sobre assuntos tão diversos como a privatização da TAP ou sobre o contrato de concessão da Vinci, que tal abordar a consequência desta anacrónica concentração aeroportuária? Ou que tal estudar o verdadeiro valor económico marginal dos passageiros “hub” que apenas trocam de avião e para quem estamos a construir este aeroporto?

Apesar das pressões sobre demissões mal contadas, sobre atas incompletas, sobre adjudicações diretas a engenheiros que publicamente defenderam “não serem precisos estudos para se perceber que Alcochete é a melhor solução”; apesar das investigações da comunicação social, da queixa-crime na Procuradoria-Geral da República, apesar da providência cautelar do Supremo Tribunal Administrativo; apesar de tudo isto, a Comissão não desiludiu o governo: é Alcochete.

Só mesmo quem tem um grande apoio governamental consegue ficar imune a todas estas pressões por transparência e objetividade. Ouvindo as conclusões da Comissão na primeira fila, apenas imagino o que António Costa terá pensado. Parabéns, prima, para a próxima fazemos um aeroporto na Venezuela, pode ser?