Portugal, “país do sol”, tornou-se nos últimos anos um destino turístico concorrido, bem como o reduto de uma significativa comunidade de trabalhadores digitais, alguns deles programadores de protocolos e aplicações blockchain. Graças à tomada de posição da Autoridade Tributária, que decidiu por não taxar as mais valias ganhas por investimentos não profissionais em criptoativos, Portugal tornou-se, sem querer, um hub interessante para investidores nesse tipo de instrumentos, ganhando o título mediático de “paraíso fiscal cripto” na imprensa internacional.

A postura do Governo sobre a regulação dos criptoativos é mais cinzenta do que clara. O ministro das Finanças afirmou estar a estudar qual a melhor maneira de enquadrar fiscalmente as atividades com criptoativos; no entanto, não se vislumbra qualquer novidade no horizonte.

Quanto ao regular da atividade comercial, o Governo parece estar a aguardar pela publicação do Market in Crypto Assets Regulation (denominado por “MiCA”) da União Europeia, que trará novas regras de mercado, uniformes em todos os Estados-membros. Durante este hiato, resta apenas às entidades que desejam desenvolver negócios de compra e venda de ativos a legislação existente sobre branqueamento de capitais, que as obriga a um registo junto do Banco de Portugal.

Existem já algumas entidades com o registo efetuado. Ora, soube-se recentemente que algumas dessas entidades não conseguem abrir contas em bancos nacionais, que estão por seu turno a fechar e a rejeitar qualquer interação com entidades relacionadas com esse tipo de negócio. Basta que soe a palavra “cripto” para que a oportunidade se esfume, como se se tratasse de um ativo tóxico e nocivo.

Este estranho paradoxo demonstra bem o quão “nublado” anda o clima para negócios cripto neste país. Se por um lado se estabeleceram condições generosas para atrair talento e capital neste sector, graças ao regime do residente fiscal não-habitual e ao “lavar de mãos” da Autoridade Tributária, e até há um regime de registo regulatório, por outro lado colocam-se entraves práticos ao desenvolvimento da atividade. O Governo continua em silêncio, garantindo assim que uma situação nascida de forma pouco pensada se mantenha, deixando os agentes de mercado, investidores e consumidores sem certezas.

Quem vai beneficiar de tal inércia, no curto e médio prazo, são os outros Estados-membros da UE (e os seus bancos), como a França e a Alemanha, que têm avançado com políticas regulatórias – e práticas privadas – mais favoráveis ao sector. Apesar do postal nacional ser “soalheiro”, a verdade é que não se percebe qual é a aposta política para este sector. Alguma clareza seria bem-vinda, sob o risco de se estar a perder uma oportunidade de diferenciação num mercado emergente e de futuro.