Eduardo Paz Ferreira dá a sua aula de jubilação na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa esta segunda-feira, dia em que tem à venda também o seu novo livro. Em “Devo Fechar a Porta?”, o professor e advogado debruça-se sobre a discriminação em função da idade, tema sobre o qual fala também ao Jornal Económico (JE). Isto numa entrevista em que reflete ainda sobre os seus próximos passos e sobre o impacto que a reforma pode ter na vida de quem assim se despede da atividade.
Vivemos numa sociedade cada vez mais envelhecida, mas como é vista a idade?
Creio que deveria ser um motivo de felicidade para todos o facto de se ter verificado um aumento significativo da esperança de vida que nos permite manter laços de afeto e de perpetuação de valores passados muito mais significativamente do que acontecia décadas atrás. Naturalmente que a quebra demográfica entretanto verificada empobrece as sociedades em todos os sentidos. É muito interessante verificar que a questão da idade e a disputa entre novos e idosos é uma questão de sempre e sobre a qual se encontram respostas diferentes em várias áreas. Nas civilizações antigas e, particularmente, as asiáticas, sempre existiu um respeito especial pelos velhos considerados como fontes de sabedoria. Mesmo em áreas pouco desenvolvidas, como a África e, apesar de todas as dificuldades, o respeito pela velhice é uma característica especial das sociedades. Naturalmente, que o individualismo que caracteriza as modernas sociedades não favorece a visão das idades avançadas, que são um factor mais de separação entre grupos sociais, um pouco à semelhança do racismo e do sexismo.
Andamos a desperdiçar muita sabedoria ao assumirmos alguma discriminação para com os mais velhos? Que impacto tem essa discriminação na própria economia e na nossa capacidade de produzir?
Quem olhar para o momento em que vivemos atualmente, não pode deixar de considerar que esse factor de discriminação diminui a sabedoria das sociedades, retirando a muitos cidadãos o poder de continuar a contribuir para o bem comum, dentro das suas forças, e diminuindo a sua qualidade de vida. Naturalmente, que não seria justo que não existissem reformas em que as pessoas podem optar por não trabalhar mais, e que esta foi uma grande conquista civilizacional, mas o carácter compulsório a partir de certa idade parece-me excessivo, e já agora permita-se-me que observe que a idade de reforma na França é totalmente desajustada ao mundo atual.
Diz que a idade da reforma em França é totalmente desajustada ao mundo atual. Quer detalhar?
Considero que o direito à reforma e ao pagamento de uma prestação de segurança é um direito fundamental de todos os cidadãos e o resultado de uma longa luta dos trabalhadores. As profundas alterações demográficas das últimas décadas aumentaram radicalmente a esperança de vida e permitiram às pessoas trabalharem até mais tarde. A reforma aos 62 anos, como sucedia em França, era uma solução que ignorava essa realidade e a evolução que se registara na generalidade dos países. Mesmo os 64 anos ainda são um valor baixo
Não é de certo modo contraditório uma sociedade que regista uma pirâmide etária tendencialmente invertida manter esses preconceitos para com os mais velhos?
Sem dúvida que essa é uma atitude que demonstra muito do que de mau está a tomar conta das sociedades. O preconceito quanto aos idosos é uma forma de evitar concorrência e de expressar o desinteresse pela justiça social.
A propósito, vai jubilar-se esta segunda-feira, dia 8 de maio, mas não deixará de trabalhar. Porquê?
Vou-me jubilar porque a tanto me obriga a lei, agora que completo 70 anos de idade e mais de quarenta e cinco de trabalho, mas sinto-me com total capacidade para continuar a fazer aquilo que sempre fiz: dar aulas, advogar, elaborar estudos e pareceres, e tenho a esperança de ter contribuído para o bem comum com essa atividade. A ideia de viver em férias permanentes, por muito atraente que pareça, não me parece ser o que de melhor poderia fazer. Mas irei avaliando como evoluem as coisas.
E de que modo continuará a colaborar com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa?
Na qualidade de professor jubilado não me é permitido dar aulas na licenciatura, mas posso continuar a colaborar com a instituição, auxiliando o trabalho dos alunos que o desejem e integrando júris de doutoramento em determinadas condições. Por outro lado, continuarei a presidir a dois institutos ligados à Faculdade: o Instituto Europeu e o Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal (IDEFF) onde se leccionam muitas pós-graduações que encontram uma excelente resposta por parte dos licenciados em direito e não só. Também continuarei a organizar conferências, procurando manter um elevado patamar de qualidade, como sucedeu ainda recentemente com a sessão de Michael Sandel, um dos maiores filósofos vivos. Também manterei a direcção da Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal.
Há uns meses, a líder da Associação de Reformados Pensionistas e Idosos (APRe!) contava ao JE precisamente como a transição entre a vida ativa e a reforma pode ser demasiado abrupta, defendendo uma transição mais suave. Que lhe parece? Estamos a falhar em Portugal nesse ponto?
Estou totalmente de acordo com essa afirmação. É tempo de se deixar de considerar que a única utilidade dos idosos é cuidarem dos netos e perceber que, na medida das suas vontades e capacidades, devem continuar integrados na comunidade, quer mantendo-se a trabalhar nas áreas da sua competência, quer em tarefas de voluntariado de apoio a sectores populacionais mais carenciados. A sociedade civil e as diferentes organizações que têm vindo a combater o idadismo são fundamentais para lançar esse caminho, tal como entidades do terceiro sector, como Misericórdias e Clubes Recreativos. Um ponto que fragiliza esse tipo de evolução é o facto de não haver uma representação política dos idosos e reformados que tragam o problema para o centro da agenda política. Assim sendo, temos de ser nós, os que acreditamos na importância de uma sociedade que trate de um modo justo os idosos, a assumir essa tarefa.
Que opções poderiam ser tomadas com vista à valorização dos mais velhos, nomeadamente no mercado de trabalho?
Creio que não há receitas gerais nem únicas e que elas têm que ser adoptadas de modo adequado à situação de cada idoso, mas penso que é possível e desejável que quer no sector público quer no privado se avance no sentido de usar a sua experiência. Noto, aliás, que no sector privado, em que durante muito tempo os idosos eram afastados cada vez mais cedo, se começa a alterar essa situação.
Está já à venda o seu novo livro, que se intitula “Devo Fechar a Porta?” e se debruça sobre a discriminação em função da idade. Porque é que decidiu escrever agora este livro, que vai além de uma biografia e rebate os pressupostos que fundamentam o afastamento profissional de quem se aproxima da idade da reforma?
Creio que todos nós, à medida que nos aproximamos da idade em que a reforma se torne possível ou obrigatória, encetamos um longo diálogo com nós próprios e com aqueles que nos estão próximos sobre a melhor forma de orientarmos a nossa vida, o que nos leva também a pensar no que ficou para trás e no que gostaríamos ainda de fazer, e foi dessa reflexão que achei que devia dar testemunho público. Impressionou-me muito especialmente ver que certos aspectos relacionados com a atividade profissional, por exemplo, eram comuns a muitas outras pessoas e que era preciso trabalhar com elas na busca das melhores soluções, recusando a marginalidade para que muitos gostariam de nos remeter.
Continuar sempre. Nunca dizer adeus. É esta a sua conclusão. O que o motiva a continuar e a não ceder ao pressuposto de que uma certa idade é sinónimo de paragem?
No essencial, o meu cartão de cidadão revela a minha idade, mas não estou disposto a que ele mande em mim.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com