Segundo a presidência francesa, a Europa deve “responder às consequências” do discurso hostil do vice-presidente norte-americano, JD Vance, proferido na Conferência de Segurança de Munique. Nessa sequência, organizou uma reunião de emergência em Paris para lançar uma espécie de ‘direito de resposta’, onde autoridades de vários países europeus abordarão o tema das “garantias de segurança que podem ser dadas” à Ucrânia. Mas não só: a segurança geral da Europa estará também em debate.
Entretanto, já há países a comprometerem-se com a segurança da Ucrânia. Horas antes da reunião em Paris, o primeiro-ministro britânico Keir Starmer disse ao jornal ‘Daily Telegraph’ que o Reino Unido, que desempenhou um papel de liderança no apoio a Kiev, está “pronto e disposto a contribuir para as garantias de segurança da Ucrânia, enviando as suas próprias tropas para o terreno, se necessário”. Starmer anunciou ainda que se encontrará com Donald Trump “nos próximos dias” – algo que já estava previsto antes da conferência de Munique. “Não digo isto levianamente “, acrescentou Keir Starmer, dizendo que entende “a responsabilidade que vem com o potencial de colocar em risco” os homens e mulheres do exército britânico. Mas “ajudar a garantir a segurança da Ucrânia significa ajudar a garantir a segurança do nosso continente e a segurança do país”, afirmou.
Depois de Reino Unido, o ministro das Relações Exteriores da Suécia disse já esta segunda-feira que a Suécia “não descarta” enviar forças de paz para a Ucrânia. “Precisamos primeiro de negociar uma paz justa e duradoura que respeite o direito internacional. Quando tivermos essa paz estabelecida, ela terá de ser mantida e, para isso, o nosso governo não descarta nenhuma hipótese”, disse Maria Malmer à rádio pública ‘Sveriges Radio’.
A reunião de emergência de líderes europeus será realizada na segunda-feira em Paris, no Eliseu, para abordar a postura do governo norte-americano na questão ucraniana e definir uma resposta comum para fortalecer a segurança da Europa. Presentes nesta reunião estarão Emmanuel Macron, os chefes de governo da Alemanha, Reino Unido, Itália, Polónia, Espanha, Países Baixos e Dinamarca, bem como o presidente do Conselho Europeu (António Costa), a presidente da Comissão Europeia (Ursula von der Leyen) e o secretário-geral da NATO (Mark Rutte).
O encontro entre europeus diz respeito, em particular, “às garantias de segurança que podem ser dadas” à Ucrânia, de acordo com o que disse um assessor de Emmanuel Macron. O ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Noël Barrot, anunciou que em cima da mesa está um debate sobre o envio de tropas, principalmente francesas, britânicas e polacas, “três grandes exércitos” da Europa, para garantir um futuro cessar-fogo e “paz duradoura” na Ucrânia.
Na véspera deste encontro, durante a Conferência de Segurança de Munique, o vice-presidente americano, JD Vance, produziu, recorde-se, um discurso hostil aos seus aliados, chocando os europeus – que, entre outras coisas, levou às lágrimas Christoph Heusgen, presidente da Conferência de Segurança de Munique, que teve mesmo de interromper o seu discurso de encerramento depois de dizer que a forma como europeus e norte-americanos observam a segurança comum já não tinha nada de comum.
Recorde-se que em Munique, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, pediu que os seus aliados europeus evitem um acordo forjado pelos norte-americanos “pelas costas” de Kiev e da Europa.
Segundo a presidência francesa: a Europa deve agora “tirar as consequências” de todos os debates que ocorreram ao longo de vários anos sobre a soberania europeia. Um assessor de Emmanuel Macron disse no domingo que a França considera “que há, como resultado da aceleração da questão ucraniana, como resultado também do que os líderes americanos disseram, a necessidade de os europeus fazerem mais, melhor e de forma coerente pela nossa segurança coletiva”. “O trabalho pode continuar noutros formatos, com o objetivo de reunir todos os parceiros interessados na paz e na segurança na Europa”, declarou a presidência francesa.
Entretanto, tudo o que se passou em Munique e que se deve acrescentar ao que se passou poucas semanas antes a propósito da Gronelândia tem levado a que se volte a colocar em causa o papel da própria NATO. Convém não esquecer que a Gronelândia é uma região NATO e que a eventual investida dos Estados Unidos sobre o território colocaria a organização atlântica numa situação impossível: teria de responder ao apelo da Dinamarca ao artigo 5º da organização, ou alinharia pelos EUA? Uma equação sem solução, dizem alguns analistas.
Que recordam, por outro lado, que a NATO não tem um exército próprio: não um exército, mas sim um comando único que lidera a defesa dos seus Estados-membros. Não é a primeira vez que a NATO entra em ‘crise de identidade’. Em 1966, o então presidente francês, Charles de Gaule, decidiu retirar o país do conjunto trans-atlântico.
A situação chegou a um ponto de ebulição em 1963, quando os Estados Unidos e a França não conseguiram concordar em criar uma frota nuclear dos países da NATO no Atlântico Norte. De Gaulle percebeu que tudo na NATO se passava como se a organização fosse da posse exclusiva dos Estados Unidos – tendo os restantes Estados-membros um papel de meros executores das decisões da Casa Branca. A França acabaria por estar afastada da organização por mais de quatro décadas – apesar das aproximações ‘informais’ a partir de 1990: participou nas operações de paz nos Balcãs e no Afeganistão mas não tinha a influência no Comité Consultivo. Só no ano 2009 e por decisão de Nicolas Sarkozy a França voltou a ser membro de pleno direito da aliança.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com