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Parlamento discute hoje aumento de faltas justificadas por luto

A petição da Associação Acreditar foi criada em setembro e conta atualmente com mais de 80 mil assinaturas. A mesma pede o alargamento dos direitos dos pais para realizaram o luto pela perda de um filho para 20 dias. Alteração ao Código de Trabalho para refletir situação chega hoje a discussão no Parlamento.
  • António Cotrim/LUSA
25 Novembro 2021, 08h20

O Parlamento vai discutir esta quinta-feira o aumento do período de faltas devido ao luto. Em cima da mesa estão vários projetos de lei propostos por vários partidos e que englobam diversas perdas por parte dos cidadãos portugueses.

O projeto de lei do PS pretende aumentar o período de falta justificada por motivo de falecimento de descendentes de primeiro grau ou equiparado. No pedido, o grupo parlamentar do PS indica que “são manifestamente insuficientes os cinco dias consagrados pelo Código do Trabalho como o período de faltas justificadas para a morte de um filho ou equiparado”.

O PS defende mesmo que “lidar com a morte de um ente próximo é sempre uma experiência difícil para a qual se precisa de tempo” e que o período atual de cinco dias “acaba por cobrir pouco mais do que as formalidades legais consequentes à morte, não sobrando por isso tempo para o necessário período de luto”.

O grupo parlamentar mostra ainda que sete países apresentam menos dias de luto, sendo eles Malta, Itália, Eslováquia (um dia), Alemanha (dois dias), Roménia, Lituânia (três dias) e Luxemburgo (três a cinco dias). Por outro lado, a Dinamarca e a Irlanda são os países que apresentam o maior número de dias de luto, 26 e 20, respetivamente.

Também o PAN pretende discutir o mesmo regime de faltas, procedendo à 17ª alteração ao Código de Trabalho desde que este foi aprovada. No seu projeto lei, com recurso a autores de estudos, o PAN lembra que o luto parental é “consistentemente mais intenso e como um dos acontecimentos de vida mais difíceis e stressantes”.

O PAN adianta que as perdas podem ter um “elevado risco para a saúde física e mental, podendo o processo de luto tornar-se patológico, prolongando e impedindo as pessoas de continuarem as suas vidas de forma adaptativa”.

A querer proceder à mesma alteração, o Bloco de Esquerda explica que “a previsão legal de um período de tempo tão curto para recuperar de um evento tão traumático encontra-se claramente desfasada daquilo que são as reais necessidades dos trabalhadores e dos seus familiares, sobretudo de um ponto de vista emocional, mas também tendo em atenção o processo burocrático que lhe está associado”.

No texto do BE, o partido alerta que volvidos dois a cinco dias o trabalhar tem de ser capaz de retomar a sua vida laboral com as mesmas capacidades que apresentava antes da perda. “Essa certeza não poderá ser dada ao fim de 20 dias, mas certamente não o é após cinco ou dois dias”, escreve o BE.

No mesmo projeto lei, a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira dá o exemplo da alteração da lei britânica através do diploma Jack’s Law, que definiu um período mínimo de duas semanas de licença para todos os trabalhadores que sofreram a perda de um filho menor de idade ou se sofreram uma perda gestacional após 24 semanas de gestação (seis meses).

O PSD é da mesma opinião que os restantes partidos e também pretende realizar alterações à lei nacional. “Trata-se de uma situação anómala e extraordinária que altera profundamente o âmago da família e que nenhuma lei pode colmatar. Porém, deve o legislador tentar minimizar os efeitos desta perda quer com intervenções ao nível da saúde, mas também facilitando um período de luto que permita também a realização dessas mesmas intervenções”, escreve o PSD no seu projeto de lei.

O PSD pede que os dias de falta sejam suportados pela “Segurança Social ou pelas entidades públicas respetivas, e continua a contar para todos os efeitos, nomeadamente de carreira contributiva, como dias de trabalho”.

Além de concordar com o alargamento dos dias de faltas justificadas, o PCP pede que seja “considerado indispensável a garantia de apoio psicológico no âmbito do Serviço Nacional de Saúde para os pais nas situações de falecimento de descendentes do primeiro grau em linha reta, bem como do falecimento de outros familiares próximos”.

“O alargamento da possibilidade dos dias de faltas ao trabalho para os pais, que  apesar de não resolver nem minorar a sua dor, nem tão pouco significa o fim do luto, e de ser articulado com o apoio psicológico, é um contributo para que seja possível recuperar algum tipo de forças para enfrentar as novas realidades com que os pais estão confrontado”, lê-se no projeto de lei do PCP.

O PCP pede até vinte dias por falecimento de descendentes ou afim no primeiro grau, até quinze dias por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de ascendentes ou afins no primeiro grau e até oito dias por falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou no segundo grau.

A Iniciativa Liberal admite que os cinco dias previstos na lei “correspondem, frequentemente, ao tempo necessário para lidar com as formalidades e burocracias relacionadas com a morte de um familiar, não permitindo, sequer, uma pausa laboral para o exercício do luto”. O deputado João Cotrim Figueiredo relembra mesmo que vários países europeus têm aumentado o número de dias de faltas justificadas perante uma situação de luto parental.

A deputada Cristina Rodrigues quer ainda que o Parlamento discuta a alteração do regime do luto parental e que reconheça o direito ao luto no caso de perdas gestacionais. Atualmente, a lei portuguesa não contempla estas situações de perda mas a deputada não inscrita pretende discutir a situação ao dia de hoje e alterá-la.

“A perda gestacional pode representar uma interrupção repentina de um projeto de vida e, como tal, traz um forte impacto para aqueles que estão envolvidos emocionalmente na vivência da conceção de um bebé. Sofrer este tipo de perda, tal como as que já constam no Código do Trabalho, pode dar origem ao luto, um processo natural e esperado perante a quebra de vínculos que se verifica”, escreve a deputada no seu projeto de lei, acrescentando que muitas mulheres dizem sentir “falta de empatia e aceitação social para sentir e viver” a perda gestacional que aconteceu.

Atualmente, uma trabalhadora tem direito a uma licença entre 14 a 30 dias após uma interrupção da gravidez, seja esta voluntária ou não, tendo em conta as considerações do médico. Os pais não têm direito a esta licença.

Como surgiu a discussão do alargamento da justificação por falecimento de descendente?

A Associação Acreditar lançou uma petição em setembro, mês internacional de sensibilização para o cancro pediátrico, para aumentar os dias de luto parental, que atualmente estão fixados em cinco dias consecutivos pela legislação portuguesa.

A petição conta com mais de 80 mil assinaturas, onde pede o alargamento dos direitos dos pais para realizaram o luto pela perda de um filho para 20 dias.

Ainda longe de chegar às 100 mil assinaturas como tinha perspetivado, o tema do alargamento do período de faltas justificadas vai ser discutido esta quinta-feira no Parlamento português. No passado dia 12 de outubro, a petição foi entregue com 83.508 assinaturas entregues na Assembleia da República, dando destaque ao tema.

Foi a partir desta petição que os partidos com assento parlamentar decidiram colocar o tema em cima da mesa e proceder à alteração no Código do Trabalho, dando aos progenitores até 20 dias para lidar com a perda de um filho e gerir o luto.

Na altura em que a petição surgiu, em setembro, a proposta reuniu consenso entre todos os partidos portugueses na Assembleia da República, com muitos a propor os seus próprios projetos de lei para serem discutidos.

O que diz o Governo sobre o assunto?

Até à data, o único membro governamental a manifestar-se publicamente sobre o tema foi Alexandra Leitão, ministra da Administração Pública em entrevista à “Rádio Renascença” quando questionada sobre o assunto. À rádio, a ministra admite concordar com o aumento de dias de luto parental enquanto mulher e mãe mas que ainda não tinha pensado no assunto enquanto membro do Governo.

“Está a fazer-me uma pergunta sobre algo que eu ainda não pensei enquanto governante, mas não consigo deixar de lhe dizer que concordo. Somos mães, somos mulheres e não consigo deixar de dizer de que não concordo. Não concebo a violência de tal situação”, disse Alexandra Leitão à “Renascença”, afirmando que poderia estar a cometer uma “imprudência política” ao falar sobre a sua posição pessoal antes de uma posição oficial do Governo.

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