Nesta semana, perdemos uma figura maior no nosso país: Gonçalo Ribeiro Telles. Arquiteto Paisagista de formação, é o pai das primeiras políticas públicas de conservação do ambiente e de ordenamento do território em Portugal e imprimiu nos planos social e político portugueses um modo de ver e de viver as cidades baseados na ecologia e no equilíbrio entre a natureza e o betão.

Em 98 anos de vida, mais de metade foram dedicados ao amor pelo ambiente e pela natureza. Incontornável é o facto de que há um antes e um depois de Gonçalo Ribeiro Telles na politização do ambiente. Devemos-lhe o direito “a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender” inscrito na Constituição da República Portuguesa. Enquanto ministro da Qualidade de Vida, de 1981 a 1983, criou as figuras da Reserva Agrícola Nacional (RAN) e da Reserva Ecológica Nacional (REN). Foi quem também lançou as bases do Plano Diretor Municipal.

Antes de Gonçalo Ribeiro Telles, o ambiente era, na visão dos agentes políticos, uma esfera autorregulável, que não merecia uma pasta ministerial. O último Governo da ditadura, que também combateu, juntava nas mesmas tutelas a Agricultura e o Comércio, a Indústria e a Energia.

São longas, pois, as tradições da sobreposição da economia sobre o ambiente e a natureza e da noção errada de que os recursos naturais existem para nos servir e são infinitos. Pensamentos estes que, infelizmente, ainda hoje estão na base do modelo económico vigente de produtivismo, extrativismo e mercantilização dos recursos, o qual nos conduziu ao presente estado de emergência climática e de crescente silenciamento do planeta.

Apesar do pioneirismo de Ribeiro Telles e do alargamento de horizontes que conseguiu numa sociedade profundamente obscurantista nesta matéria, a verdade é que, hoje, ainda hoje, é manifesto o desrespeito e a desconsideração pelo ambiente e pela natureza. De norte a sul do país, multiplicam-se os casos de projetos que nascem em pleno cordão dunar, em leitos de cheias, que implicam a desafetação de milhares de hectares de REN e de RAN, para não falar dos eternos atrasos na classificação e aplicação de medidas efetivas de proteção de áreas classificadas ao arrepio do inscrito na legislação nacional e comunitária.

Cerca de um século depois do nascimento de Ribeiro Telles, contrariamente ao desejado, muito falta alcançar na causa ambiental, para mais, quando os próprios governantes são os primeiros a não valorizar devidamente o ambiente e a não pugnar pelo estrito cumprimento da legislação.

A nossa responsabilidade, enquanto agentes políticos, é dar o exemplo e garantir que se investe na proteção dos últimos redutos naturais. Com a crise climática e a 10 anos do ponto de não-retorno, não saberemos já da importância de conservar e respeitar o ambiente? Nós, ambientalistas, sabemos. E sabemos que a nossa força e o legado de Gonçalo Ribeiro Telles resistirão.