“No ocaso da dissolução, tudo é iluminado pela aura da nostalgia, até a guilhotina.”
― Milan Kundera, A insustentável leveza do ser

 

(É verdade que este título se adequa a quase tudo. Do governo à vida profissional, passando pelos desportos, vivemos na ilusão de experimentar uma meritocracia quando, na realidade, apenas mudam as dinastias. Mesmo quando vivemos numa proclamada República. Se calhar, principalmente aí.)

Ainda não tínhamos tido tempo para deixar assentar os desejos e já o Governo tratara de nos aplacar com subidas de impostos, disfarçadas de preocupações com sustentabilidade. É verdade que Costa tem engenho e arte mas parte do seu êxito assenta inequivocamente no demérito de uma quase inexistente oposição, ocupada que está a discutir o novo pretendente ao respectivo trono. Em vez de os candidatos usarem essa oportunidade para debater a única coisa que interessa, isto é, as ideias, aquilo a que temos assistido é a sessões de luta na lama, no meio de fogueiras de vaidade. Já não é um problema de total vazio nos ideais para se tornar um caso de saúde pública e de vergonha alheia. Por favor, alguém que feche a porta. De preferência, com todos lá dentro.

Contudo, o que, quanto a mim, ressalta dos últimos dias são duas notícias, em qualquer dos casos chocantes.

A primeira não é tanto o homicídio do jovem estudante cabo-verdiano em Bragança, mas o facto de não se terem visto as mesmas manifestações de pesar do que por outras vítimas. Esta morte, estúpida como todas, seguramente, não mereceu a cobertura noticiosa que teria tido se os agressores fossem, chamemos pelos nomes que ainda se usam, “pretos” e a vítima “branca”. Somos um país de brandos costumes mas com um pé a fugir para um racismo encapotado, disfarçado de benevolência e de sentido de humor.

Por outro lado, permito-me assinalar os ecos trazidos à praça pública por trabalhadores do CDS, a deixar antever indícios de assédio moral, esvaziamento funcional deliberado e tentativas de pagamento de compensações inferiores ao mínimo legal. Apregoadas virtudes para, depois, se vislumbrarem vícios privados. Um qualquer partido que se propunha governar o país não pode deixar de se saber governar a si próprio, no estrito respeito da legislação vigente (e cujas indemnizações ajudou a baixar). E, aqui, como em todos os casos, quem ocupa o dito “trono” não se pode esquecer que a sua missão só faz sentido enquanto for útil para alguém que não a si próprio.

A verdadeira guerra deveria, pois, ser pelos melhores ideais. Dizem que cada país tem os políticos que merece, sendo que não precisamos de pensar muito para descobrirmos outros ainda piores. Não obstante, os nossos têm sempre encanto. Se não quando ganham, pelo menos quando vão embora.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.