Nos anos da crise financeira, de intervenção da troika e governação de Passos Coelho, ficou a impressão que o atavismo multidisciplinar que condiciona a iniciativa, a criatividade e energia dos portugueses iria ser vencido pelo ativismo do governo, de empresários, empreendedores e trabalhadores. Os portugueses sentiram o aperto e mexeram-se. Os números melhoraram.

Depois, a troika foi-se, e, como muitos temiam, os ganhos perderam-se e muitos portugueses voltaram ao doce sossego, à pasmaceira, o que se traduz numa fatal débil produtividade e num afastamento para baixo cada vez maior do nosso PIB, em relação ao dos nossos parceiros da UE.

A pergunta a fazer aos portugueses é: querem continuar a ser pobres, cada vez mais pobres? Se a resposta for afirmativa, basta prosseguir a pasmaceira, a fórmula ideal para cumprir o objetivo da Constituição Portuguesa de 1975, expresso logo no Preâmbulo: “… abrir caminho para uma sociedade socialista”.

A maior parte quer escapar a ser pobre e muitos incautos foram seduzidos pelo que consideram ser uma via fácil para a riqueza súbita – o turismo. António Saraiva, presidente da CIP, alertou há dias neste jornal: “Investimento no turismo não é sustentável”. Ele sabe que as economias centradas no turismo também vão à falência. Atlantic City, na costa Leste dos EUA, onde os casinos de Trump foram várias vezes à falência, é um caso bem conhecido.

Em 2016, a Business Insider titulou “How Atlantic City went from a bustling tourism hub to a ghost town”. A cidade conheceu os seus dias de glória turística nos anos 1960, quando viajar para longe não era económico para a maior parte das famílias. Agora é uma cidade fantasma. A conjugação de fatores que tornaram Portugal atrativo podem desaparecer repentinamente.

Os fait divers da nossa atualidade oferecem bastante escapismo da realidade – o modo de vida da ficção – e impregnam o jornalismo, como o caso daquele que numa posição eleita numa câmara municipal desenvolveu um negócio privado de turismo (mais um) em negação absoluta do que defendeu enquanto político, descredibilizando o partido por que foi eleito. Este divertido episódio só não foi banal porque os seus protagonistas são notórios invetivadores da moral… dos outros.

Este caso é útil porque desmistifica um dos pilares da pasmaceira, o BE. Mais importante é abordar o não-banal. O problema é que as notícias verdadeiramente relevantes para o interesse público, o desenvolvimento da economia, raramente recebem dos media a atenção, o destaque, a análise e o comentário que são devidos à formação de opinião pública informada. As dificuldades que condicionam o presente e determinam o futuro, mesmo que próximo, exigem distanciamento, objetividade, estudo.

Um estudo agora publicado que merece destaque é o Relatório sobre Emprego e Formação – 2017 pelo Centro de Relações Laborais do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. A Coordenação Científica foi de João Cerejeira, Professor Doutor da Universidade do Minho.

O Relatório salienta a importância da produtividade para o PIB, explicando que a conjugação da evolução do PIB com a evolução do emprego permite analisar a dinâmica da produtividade. O crescimento da produtividade, sobretudo por hora trabalhada, durante os primeiros anos da crise, permitiu a convergência com a média da UE em 2013. A partir de então, o crescimento do emprego, mais dinâmico em setores mais intensivos em trabalho, traduziu-se numa estagnação da produtividade média e num acentuar do diferencial face à média da UE. Por hora trabalhada em 2013 a produtividade desceu de 69,9% para 61,9% em 2017. É o regresso da pasmaceira.

E o Relatório prossegue referindo que a recuperação do investimento, público e privado é crucial para que a dinâmica exportadora seja sustentável a médio prazo, bem como para que a recuperação da procura interna se possa processar sem tensões inflacionistas, que poderiam comprometer a competitividade da economia portuguesa.

O capítulo “Estrutura Empresarial e Trabalhadores nas Empresas” fornece um panorama pouco animador. Analisando o volume de empresas nos setores de alta e média-alta tecnologia verifica-se que, em 2016, esses setores reuniam cerca de 21 mil empresas, que constituíam 1,8% do total das empresas. Em 2016, a percentagem de empresas destes setores era apenas ligeiramente mais alta do que em 2008.

Por outro lado, em 2016, as empresas das indústrias transformadoras com fatores competitivos avançados constituíam 42,4% do total das empresas do setor, ou seja 27,7 mil empresas. O número destas empresas diminuiu, embora de forma pouco significativa entre 2008 e 2014, tendo crescido levemente entre 2014 e 2016. Já em termos de proporção no total do setor, o seu peso aumentou, até 2012, em cerca de 0,7 p.p. e depois decresceu em 1 p.p. até 2015. No último ano em análise cresceu muito ligeiramente.

Ou seja, pasmaçal. Sempre?