Nas últimas semanas, a discussão à volta dos novos passes atingiu uma temperatura elevada. O ciúme pela paternidade da medida subiu a níveis ridículos entre ministro, partidos ou presidente de câmara. Todos proclamaram a iniciativa e exigiram os méritos. Só faltou encontrar a mãe.

Tudo isto porque o impacto da medida é significativo. O que as pessoas vão pagar a menos optando pelos novos passes é bastante significativo em termos de poupança e de funcionalidade. Um só instrumento permite a deslocação ao longo das áreas metropolitanas, com muita demagogia à mistura, pois não se prevê que alguém se desloque de propósito da Ericeira a Setúbal ou de Gondomar a Matosinhos, apenas para verificar a funcionalidade do passe.

A esquerda, percebendo a eficácia da medida, dividiu-se entre os que reclamaram que há 20 anos exigiam a solução e os outros dando um passo em frente, reclamaram novos transportes para acorrer ao crescendo de utentes a partir do dia seguinte. A oposição, de forma titubeante, começou por duvidar para, de seguida, também reclamar o esquecimento do interior. Tarde e com um argumento que, mesmo real, se perde nas consequências práticas das grandes áreas metropolitanas.

A invocação de eleitoralismo serve bem ao governo e ao partido socialista. É tradição dos partidos que estão no poder, mas este governo leva esta lição a uma dimensão despudorada. O PS não deixa os seus créditos por mãos alheias. Foi assim com José Sócrates em 2009 quando aumentou, contra a vontade do próprio ministro das Finanças de então, Teixeira dos Santos, os funcionários públicos acima do que o país comportava. Sabemos como acabou.

Aconteceu há dois anos a propósito da atualização das pensões e acontecerá novamente este ano. O Orçamento do Estado acolitou esta solução, então e agora. Claro que a atualização a poucos dias das eleições não acontece por acaso, como a introdução da medida do passe único também não aconteceu por arrasto de negociações para o último semestre antes das eleições legislativas. Aliás, a partir da aprovação do último Orçamento tudo – TUDO – o que este Governo fizer será a pensar nas eleições, quer europeias, mas principalmente legislativas.

O PS terá tempo de retificar qualquer coisa se ganhar as eleições, embora os indicadores não sejam satisfatórios. O ano passado discutíamos uma maioria absoluta. Hoje, o PS, confrontado com uma série de escândalos, como o caso das nomeações entre famílias, precisa de uma lufada de ar fresco que lhe permita respirar, pois mesmo com dados estatísticos confortáveis não consegue convencer os eleitores a dar-lhe um poder maior ou o benefício da dúvida.

Antes parece que as pessoas se preparam para aproveitar as benesses ou dádivas, crescendo em protestos e reclamação de aumentos de ordenados, reclassificações ou promoções, sabendo que este Governo a tudo responderá positivamente até outubro.

Só é preciso chegar lá. Os sindicatos, organizações de classe e interesses corporativos também o sabem. O Governo já o interiorizou. E estará preparado para isso. Por isso a agenda do secretário-geral do PS e primeiro-ministro se dividirá nas próximas semanas entre as celebrações das medidas governamentais, a tentativa de satisfazer as clientelas dos parceiros apoiantes do Governo e o anúncio de novas decisões que contemplem setores que, protestando, já sabem a resposta.

Pois. Passem bem.