A Inteligência Artificial (IA) e a robótica estão a desempenhar um papel fundamental tanto para as empresas que estão a regressar aos escritórios por turnos, como para aquelas que instituíram o teletrabalho e pretendem mantê-lo ad aeternum. Porquê? A analítica e o machine learning permitem otimizar tarefas, controlar o que está a ser produzido em tempo real, personalizar a oferta e rastrear a documentação enviada e recebida. Já a RPA (Robotic Process Automation) tem as duas vertentes: pode ajudar na contenção do surto dentro dos edifícios – com os robôs a medir a temperatura corporal à porta – ou apoiar quem se mantiver em regime de home office com aparelhos que tratam das tarefas domésticas.
Segundo um estudo divulgado no início do mês pela Católica Lisbon School of Business & Economics, os empregos mais suscetíveis de serem automatizados ou mesmo substituídos por máquinas e robôs correspondem a 36% do emprego e a 34% da massa salarial de Portugal, de acordo com o relatório “Quem arcará com os custos da crise Covid-19? Análise de empregos em risco em Portugal”. O mesmo concluiu que a incidência não é a mesma em todas as gerações. “Os jovens até 24 anos têm quase o dobro da probabilidade de desempenhar funções em setores não essenciais que não podem ser realizadas em regime de teletrabalho que os trabalhadores com idade superior a 40 anos, e uma probabilidade 1,6 vezes superior de trabalharem em setores altamente sensíveis”, refere o documento.
Para a multinacional brasileira Invillia, neste momento, não faz sentido debater em que local (físico ou virtual) as pessoas de uma empresa se encontram, mas sim como estão a interagir, a relacionar-se, a desenvolver as suas capacidades e ideias, ou mesmo como se encontram a nível psicológico, e essa reflexão só é possível através de machine learning, capaz de identificar padrões e tendências de comportamento que nem o ‘sexto sentido’ do Homem ou a intuição feminina granjeiam. “Posso estar a dois metros de distância e não comunicar bem com o meu par, stressado com a minha empresa, sem perspetivas de evoluir, ou estar a países de distância, feliz com as minhas realizações, com a vida que escolhi, inspirado, a criar mais inovações em conjunto. Para tal é necessário planeamento, cultura, metodologia e ferramentas tecnológicas”, refere Saulo Esteves, diretor de Tecnologia Digital Workplace. A nível interno, a Invillia recorre ao InStation, uma plataforma lançada esta semana para o mercado global. “Dá a capacidade, só para ilustrar uma parte, de identificar modelos, momentos de colaboração e cruzá-los com outras camadas de dados: índice de felicidade que o colaborador traz ou leva ao processo, a sua motivação, o fluxo a que está submetido, o seu nível de entrosamento com a equipa”, exemplifica o executivo.
Paulo Veiga, fundador e CEO da EAD – Empresa de Arquivo de Documentação, considera que trabalhar a partir de casa exige esforços extraordinários de gestão do tempo e dos recursos e envolve a instalação de aplicações de trabalho colaborativo e de ferramentas internas, das entidades empregadoras, baseadas na ‘nuvem’. “Se havia empresas que resistiam a estas tecnologias, perceberam em 15 dias que não há outro caminho que não seja adotar as mesmas nas diversas etapas da cadeia produtiva. Outro lado positivo é que estas tecnologias estão acessíveis e, geralmente, assentam em soluções cloud, out-of-the-box, sem investimento, apenas pagando por uso e muito mais importante, fiáveis e robustas como nunca foram”, defende.
A operar no processamento salarial e na gestão administrativa de recursos humanos, a Seresco garante que o consenso entre as empresas é geral: a maioria dos funcionários é mais eficiente em teletrabalho mas precisa de soluções de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). “Conseguimos poupar tempo nas deslocações para o trabalho, estarmos menos stressados no final do dia, com a sensação que produzimos muito mais do que estando no escritório. Claro que existe sempre uma percentagem que, pela sua forma de ser, pelas suas funções, não se encaixa tanto nesta forma de trabalho. Se esta pandemia tivesse ocorrido há 50 anos, não teríamos, com certeza, a capacidade de ter a resposta tecnológica à altura do que as necessidades e as demandas organizacionais precisariam, mesmo considerando que eram distintas das atuais”, refere Rita Mourinha, representante da empresa em Portugal e responsável pela área comercial.
A Hitachi Vantara, subsidiária da multinacional japonesa Hitachi, tem desenvolvido diversas soluções de robótica para apoiar as empresas no regresso aos escritórios, entre as quais câmaras térmicas, portais de desinfeção ou sistemas de processamento e tratamento de dados. A tecnologia, em parte desenvolvida por uma equipa portuguesa, começou por destinar-se ao canal Horeca (hotéis, restaurantes e cafés), mas está agora desenhada para todos os setores de atividade. A empresa, que vai manter os seus colaboradores em home office pelo menos até setembro, considera a IA benéfica para qualquer regime de trabalho por dar capacidades de análise de informação singulares, como leitura massiva de documentos e correlação de fatores. Contudo, Jorge Antunes, diretor da Hitachi Vantara em Lisboa, alerta: “Eu sou um franco crítico em relação ao que chamamos hoje ‘IA’. Acho que há uma tendência no mercado de, muito facilmente, as empresas dizerem que estão a implementar processos de IA quando, de facto, o que estão a fazer não é mais do que automação de algoritmos. A utilização de IA pressupõe a criação de capacidades cognitivas, que são derivadas de algoritmos de computação com capacidade de analisar mais informação do que nós e de chegar a conclusões em tempo útil”.
A opinião é partilhada por Paulo Veiga: “IA é um chavão muitas vezes repetido e exaustivamente utilizado, é um dos subcampos mais antigos da ciência da computação e para o qual o pouco que sabemos fica desde logo associado às multinacionais, as únicas com capacidade e possibilidade de tirar o melhor partido destas soluções”.
Falemos, então, de robôs, que podem ser assistentes de saúde, cuidadores, rececionistas e empregados de mesa – como está a acontecer em restaurantes na Holanda, por exemplo. Efetivamente assintomáticos, estas ‘imitações de humanos’ deixaram há muito tempo de pertencer ao mundo faz de conta das crianças. Depois de os termos começado a ver com mais frequência nos hotéis a servir os clientes, agora serão também eles a medir-nos a temperatura à porta do trabalho ou de um estabelecimento comercial. “Estes robôs podem ser colocados numa loja, num banco, e têm comportamentos e algoritmos de interação que fazem a mesma função de uma pessoa, mas com um elo de proteção de contacto físico”, diz Jorge Antunes.
A empresa de TI Beltrão Coelho denota várias realidades em todo o mundo na adoção destes equipamentos, que podem inclusive perceber se as pessoas entraram nos edifícios estão a utilizar máscara e avisar quem de respeito. “Há países que estão mais recetivos ao mundo da robótica e que procuram proativamente soluções. Em Portugal, ainda estamos um bocadinho atrasados. Há boas ideias, há vontade, mas é inegável que a crise atual fez as empresas abrandar os seus investimentos e canalizar recursos para as necessidades imediatas”, lamenta Bruno Coelho, diretor comercial adjunto. O gestor sente que alguns projetos estão prestes a ser retomados mas garante que ainda há muito trabalho de consciencialização a fazer com as empresas portuguesas e os seus colaboradores, “no sentido de demonstrar que os robôs são uma realidade, que podem ser uma mais-valia e que não necessitam de roubar o trabalho a ninguém”.
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