Há coisas estranhas. Quando a economia americana começa a deixar a crise para trás e as bolsas batem recordes, sucedem-se os avisos sobre o futuro, os níveis de dívida são astronómicos e os défices orçamentais estão próximos dos dois dígitos. Enquanto isto, o FMI incita os países europeus a aumentar a despesa pública – algo impensável há meia dúzia de anos. Acresce que as mudanças não são só económicas. Nas eleições alemãs deste ano, em que cai o pano sobre o reinado de Angela Merkel, o seu sucessor ocupa uma posição modesta nas sondagens e os Verdes – onde Bock derrotou Beck para a candidatura a chanceler – estão no segundo lugar, também impensável há dez anos. Desenha-se o novo panorama social e político, e uma nova ordem internacional, onde nações não democráticas terão papel destacado. Vá lá o cidadão comum perceber o que se avizinha.

A juntar à coisa, os avisos foram muitos sobre a queda do dólar em 2021. Um défice orçamental recorde e uma dívida pública galopante, com uma generosa distribuição de dinheiro pelo Estado e o maior programa de despesas públicas em 75 anos, e o consequente défice das transações correntes, fariam o dólar perder terreno. Ora, a moeda americana já se valorizou este ano, em termos efetivos, quase 2,5%. Na Europa, o Brexit foi apontado como um desastre para os britânicos. Certo, o FTSE100 subiu 10% desde o referendo, contra mais de 40% do DAX e 90% do Dow Jones. Mas o rendimento disponível aumentou, as exportações para a União Europeia foram 11,6 mil milhões de libras em fevereiro, perto dos 12 de média mensal em 2020, e o FMI projeta o crescimento mais forte em 30 anos.

Mas andamos em cima de gelo fino. A inflação chegou aos Estados Unidos, com a taxa a aumentar de 1,7% em termos anuais em fevereiro para 2,6% em março (a inflação-core, de 1,3% para 1,6%, e em 2021 poderá atingir 2,5%). E as bolsas continuam em alta, imparáveis face a episódios como a GameStop, a implosão da Archegos Capital Management (perdeu oito mil milhões de dólares em dez dias) e a Greensill Capital.

Se com a subida da inflação vier a das taxas de juro, como é normal, teremos um problema. Na altura do unwind das políticas monetárias não convencionais, coloca-se a questão do financiamento da despesa pública, incluindo os juros, até por os bancos centrais já deterem hoje 25% das dívidas públicas. É que, por exemplo, em 20 anos a dívida pública americana foi multiplicada por quatro, e os Estados Unidos são hoje o país mais endividado do Mundo;

ultrapassaram o Japão, onde atinge 100 mil dólares por japonês e é 250% do PIB. Na Grécia é 209%, na Itália 159%, na Espanha 120%, na França 118%, no Reino Unido e na Bélgica 113%. Temos hoje taxas de juro historicamente baixas, episodicamente negativas. Com a subida da taxa de juro e estes níveis de dívida, a pressão sobre as finanças públicas vai ser forte. A dívida pública é como o álcool: a consumir com moderação.