Diz Graças Freitas que nos aviões não há necessidade de distanciamento social porque vamos todos a olhar para a frente.

Eu percebo a dificuldade da Sra. em explicar o inexplicável, sobretudo quando o que está em causa será, no limite, o contrário. Num restaurante, sim, olho sobretudo para a frente, num teatro, sim, olho sobretudo para a frente, no cinema, parece-me que também olho sobretudo para a frente. Mas… na TAP? Ai a TAP…

Olhemos para a frente, ou não, pouco interessa! O importante é salvar a TAP. Ainda por cima protegidos pela União Europeia, que não tem esta limitação na sua estratégia de combate ao coronavírus. Até porque o problema da TAP coloca-se a todos os países e às suas companhias de aviação.

Já num outro artigo eu dizia que, “pela experiência passada, receio que os milhões disponibilizados ao país, cheguem ao Estado, sejam atribuídos prioritária e de forma pouco transparente a interesses do próprio Estado, depois devem passar por algumas grandes empresas normalmente chamadas de estratégicas nestas alturas, e, no fim, o que sobrar, talvez chegue às empresas mais afectadas. Na realidade, duvido que chegue aos que mais precisam”.

Pois não só não chega o dinheiro como, aparentemente, não chega sequer um mínimo de bom senso por parte de quem dita regras. Acredito até que o próprio bom senso não tenha sido devidamente distribuído, mas já que vivemos numa democracia representativa, com um governo e parlamento eleitos, seria simpático acertarmos em pessoas com bom senso.

Todos percebemos como a TAP pode ser relevante para o país mais ocidental da Europa, e cujo peso do turismo nas suas contas não pode ser desprezado. Mas não pode ser mais importante – quando já não estamos sequer a falar de dinheiro – do que todas as micro empresas e trabalhadores independentes que estão desde meados de Março sem facturar.

Terminado o estado de emergência há cerca de um mês, o número de casos identificados não disparou, o número de casos em cuidados intensivos não aumentou nem tão-pouco o número de mortes/dia que, ao invés, tem vindo a baixar.

Até aposto em como, no final disto tudo, vão sobrar pipas de máscaras, ventiladores e vacinas, enquanto um número desconhecido de pessoas morre porque está impedido de ter a sua cirurgia ou ver o seu cancro detectado e tratado.

Parece-me prudente continuar a existir algum distanciamento, mas quando percebemos que a TAP pode encher os aviões e já voltou a ter voos regulares dentro e fora da Europa – com a falta de controlo que existirá com as entradas no país – e que diversos países europeus estão inclusive a desenvolver acordos para os chamados “corredores turísticos”, vamos continuar a impor restrições pesadíssimas às micro empresas que sustentam milhares de postos de trabalho?

Alguém no Governo acredita que permitir a abertura de restaurantes mas limitar a sua ocupação a um máximo de 50% vai permitir a viabilização do negócio?

Alguém acredita que os teatros com a limitação de ocupação que querem impor vão sobreviver?

Não há festivais de verão, parece-me bem… e concertos em salas de espectáculos? Podem existir? Com ocupação máxima idêntica aos teatros?

Será que alguém neste Governo sabe fazer contas simples de aritmética? Admito que não. O nosso Estado funciona de forma diferente das empresas e, mais ainda, das micro empresas. Basicamente gastam sem olhar a meios – pagam os seus ordenados, as suas regalias, os seus direitos adquiridos, os aumentos anuais que consideram ter direito, se for necessário, não podendo aumentar como gostariam em numerário, reduzem as horas de trabalho, depois fazem umas obras aqui e ali, com umas mega derrapagens sempre inexplicadas, anunciam-se uns investimentos que compram votos mas depois as cativações não permitem que sejam feitos, e lá vão cantando e rindo no Parlamento.

Mais parecem miúdos no intervalo das aulas a discutir “o meu pai é mais forte que o teu”… Quando, a determinado momento, percebem que enquanto brincavam e faziam uma adjudicação directa aqui e outra ali, o dinheiro deixou de ser suficiente, aumentam os impostos! É fácil.

Mas mesmo seguindo este racional, deveriam perceber que todas as empresas e trabalhadores independentes que se viram impedidos de trabalhar durante este tempo, só poderão sobreviver limitados a 50% de ocupação (ou menos) se (mais do que) duplicarem os preços de venda dos seus bens e serviços.

Ora, isto só seria possível num cenário em que por um lado a procura por todo e qualquer destes bens ou serviços fosse inelástica e se os portugueses não tivessem, eles próprios, restrições orçamentais. Como nenhuma delas se verifica, estas condicionantes não servem a economia e os milhares de trabalhadores nela envolvidos.

Por isso, meu caros, se podemos viajar num avião 100% lotado e se podem existir corredores turísticos para nos trazer malta de todos os lados – e aqui fico a torcer pelos profissionais do turismo –, também podem repensar a capacidade dos restaurantes, teatros ou espectáculos que não vem daí mais Covid aos portugueses.

E não, a minha preocupação não é com a minha ida ao restaurante ou teatro. É mesmo com os muitos trabalhadores dos restaurantes, com os actores de teatro ou com os músicos, com uma enorme quantidade de gente que teve de pôr um travão no seu modo de vida e com ele o seu ordenado (que não é fixo nem garantido) no final de cada mês.

Pior do que a Covid será a fome e já são mais de 400 mil os pedidos de ajuda alimentar.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.