Pedro Santana Lopes precisa de nós. Depois de uma eternidade no PSD, Santana decidiu agora deixar para trás o partido a que chamou de sua casa e, para poder fundar um novo, precisa que 7.500 dos seus concidadãos emprestem a sua assinatura e dados pessoais a uma folhinha a ser entregue no Tribunal Constitucional.

Para nos convencer a fazê-lo, Santana foi à SIC falar com uma convenientemente servil Clara de Sousa e dizer-nos que “até” recebe mensagens “da Islândia, essa terra fria”, que quer ganhar eleições e que é capaz de ganhar eleições, que pretende “diminuir o peso do Estado” ao mesmo tempo que “acredita no solidarismo”, e “bater o pé na União Europeia”.

O problema é que, independentemente dos méritos que se possam vislumbrar nessas intenções, ao passar uma vida a dizer tudo (incluindo, já em 2014, elogiar José Sócrates) e o seu contrário – e a fazer tudo e o seu contrário – Santana não tem uma réstia de credibilidade que nos autorize a levar uma palavra do que diz a sério.

Claro que para quem esteja a pensar aderir ao “Aliança” nada disto é problema. No novo partido de Pedro Santana Lopes, a incoerência e a falta de credibilidade do seu futuro líder não interessam. O seu programa não é um programa, as suas ideias não são ideias, os seus princípios não são princípios. São apenas palavras sem qualquer significado, sequestradas ali para preencher um vazio que seria bem mais representativo da essência daquela etérea entidade. O “Aliança” não é “personalista”, não é “liberal”, não é “solidário”. É egocêntrico. Pedro Santana Lopes precisa mesmo de nós.

Quando soube que o “Aliança” estava a ser cozinhado, a primeira coisa que pensei foi que se tratava de uma forma de Santana se dar a si próprio a garantia (que Rui Rio não dava) de ser eleito deputado e assim arranjar emprego depois de ter ficado sem o conforto financeiro oferecido pela Santa Casa da Misericórdia.

Mas, pensando bem, duvido que seja essa sua motivação. Santana, pura e simplesmente, não consegue deixar de “andar por aí”. Afinal, trata-se de alguém que, nos anos 90, uma vez falhada a sua ambição de ser líder do PSD, se prestou à triste figura de ir brincar aos primeiros-ministros e líderes de oposição num reality show da SIC, com o simples propósito de não deixar que as pessoas se esquecessem de que existia.

Ao longo dos anos, já perdi à conta às ocasiões em que Santana anunciou ir deixar de vez a política. Mas depois de todas elas, voltou. Precisava de aplausos, de correr o país a abraçar idosas e a apertar a mão de velhas caras vagamente recordadas de um jantar de carne assada no meio de lado nenhum.

Precisava das intrigas, das conspirações, dos ataques – dos seus aos outros e dos outros a si. Precisava de aparecer, de discursar, de – como abundantemente dizem os políticos que se convencem de que o mais insignificante conjunto de palavras ditas em voz alta num comício na Feira do Cabrito de Nenhures só tem par num discurso de Churchill em plena Guerra – “combater”, de se sentir um “homem só” forçado a estar “contra ventos e marés” para depois ser adorado por quem nele acredita.

Por isso tentou há uns meses voltar a liderar o PSD e, uma vez rejeitado, correu à procura de quem o possa querer ainda, fundando um partido que seja mesmo seu como nenhum outro poderia ser, e que, por ser seu, terá em cada militante que a ele adira um voto de amor ao homem que o encarna.

E eu compreendo Pedro Santana Lopes. Numa existência sem rumo como é a de todos nós, cheia de incerteza e em que a única coisa que nos espera é o desaparecimento eterno, ele encontrou algo que dá sentido à sua vida. Podemos achar que uma vida a viajar por este país, de refeição desagradável com desconhecidos em refeição desagradável com desconhecidos, somente em busca de uma cruz num quadrado numa folha de papel dobrada em quatro, é um Inferno pior que a mais infeliz solidão. Mas, para Pedro Santana Lopes, não é. Para ele é o contrário: é aquilo que preenche o vazio do qual a maioria de nós não consegue escapar.

Quando pensei em escrever sobre o novo partido de Pedro Santana Lopes, a minha ideia era – confesso – criticá-lo ferozmente, ou até fazer troça do homem. Mas enquanto preparava o artigo e pensava sobre Santana, tive de mudar de ideias. Pois quem não o compreende por querer substituir a percepção da ausência de significado da vida pela sensação, por ilusória que seja, de importância e aprovação? Eu não só o compreendo, como o invejo. Pena que contribuir para a felicidade e realização de Pedro Santana Lopes não seja razão para votar nele, e que o “Aliança” não tenha mais nada para oferecer.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.