Quando vejo as análises que se fazem sobre a vida “terrena” fora da política de alguém que tenha exercido cargos políticos de relevo, a expressão popular que me ocorre é: “preso por ter cão e preso por não ter”.
Se um ex governante vai para uma empresa privada, é um escândalo por conflitos de interesses pressupondo-se, imediatamente, que estamos perante um ato de corrupção nem que seja moral. Se vai para um cargo internacional ou uma empresa pública, é um “tacho”. Se passa a receber uma reforma, é um escândalo porque é demasiado novo e vive à custa dos contribuintes. Se continua na política, é um carreirista profissional desligado da realidade das empresas e pessoas (e vive à custa dos contribuintes). Se vai estudar é porque foi um calão e nunca estudou. Se vai dar aulas para a universidade sem ter um percurso académico, é uma ofensa para todos os académicos que passaram vários anos nas bibliotecas universitárias a construir, com suor e lágrimas, o seu percurso.
Será que os ofendidos do costume nos podem explicar qual é a solução prática para um político de meia-idade e sem fortuna familiar resolver esta encruzilhada de vida? Não é pelo mal que se paga aos políticos com funções executivas (em comparação com atividades de menor responsabilidade e esforço no setor privado) que se está a afastar demasiada gente de valor da política. Os competentes não deixam de ir para a política por dinheiro. Também não acredito que seja pelo facto de estarem, necessariamente (e bem), mais sujeitos ao escrutínio do que o cidadão comum. O que efetivamente está a afastar demasiada gente de valor da política é, sim, este excesso de moralismo relativamente ao “ser político” e que priva o país de pessoas que, tendo carreiras de sucesso, também têm a vontade e ambição de fazer alguma coisa pelo País.
O respeito pela Lei deixou de ser suficiente para se considerar idónea a vida passada e futura de uma pessoa que exerça responsabilidades políticas. E quando a Lei deixa de ser o parâmetro, entramos no campo da subjetividade, da especulação e da poeira desnecessária para a discussão.
Posto isto, tenho dificuldade em compreender a celeuma que a nova opção de carreira de Pedro Passos Coelho está a gerar. Obviamente que não é conhecido por ser um académico, mas parece-me evidente o interesse para uma Universidade e para os seus alunos em ter o contributo de alguém que, goste-se ou não, foi primeiro-ministro de Portugal e é suposto conhecer na prática a administração pública como poucos. Além disso, seguramente que Passos Coelho não será professor único, pelo que outros mais académicos poderão fazer abordagens distintas e complementares.
Ser político é um direito fundamental, mas é desejável que seja uma passagem e não um destino profissional eterno. Só que deixar de ser político para prosseguir uma carreira distinta no setor privado ou público também é um direito – e uma necessidade para a maioria –, pelo que não se pode, nem deve, condicionar o futuro de quem exerceu altas responsabilidades públicas, desde que salvaguardadas elementares regras deontológicas e de conflitos de interesse.