1. A extrema-esquerda e a extrema-direita, com as suas lógicas e os seus fanáticos, tomaram conta do espaço mediático e das redes sociais. O Bloco de Esquerda mobiliza operacionais para tentar demonstrar que Portugal é um país racista. O Chega, de André Ventura, esforça-se por nos explicar que as forças de segurança estão sob um ataque sem precedentes. Os dois delírios auto-alimentam-se e podem ser mais perigosos do que parecem. Nenhum deles é mais benigno do que o outro.

Estamos perante duas forças que coincidem num ponto: o caminho para chegar ao poder passa por destruir as bases em que se edificou a sociedade portuguesa. No caso do BE passa também por nos envergonhar da História do País e destruir os seus símbolos, retirá-los do contexto de época. Nem Camões, a figura emblemática do dia nacional, estará a salvo por demasiado tempo. Basta que a atenção à cor da pele seja substituída pela minúcia perante a religião e o contexto em que foram escritos os “Lusíadas”. Quem leu a obra saberá do que estou a falar.

Este maniqueísmo é altamente inflamável. Vemos, diariamente, como alimenta a comunicação social, se estende nas redes e produz seitas de devotos crentes, provocadores e exaltados.

2. Portugal, obviamente, não só não é um país racista como sabe identificar as bolsas de comportamentos inaceitáveis que precisam de ser combatidos e corrigidos sem ser com manifestações impróprias do tempo e a propósito de casos longínquos e selecionados – assim como sabe que não há verdadeira democracia sem forças de segurança profissionais e disciplinadas. Porque será que o Bloco e os seus satélites apenas descortinam perigos no mundo ocidental e se encolhem, tolhidos, diante dos casos nacionais que não se enquadram na agenda ‘bem’ selecionada? E porque será que o Chega faz de uma foto de um ou dois jovens desmiolados um paradigma de uma realidade que também não existe?

A resposta pode ser encontrada na cobardia da ação política dos partidos do centro. O PS e o PSD ignoram as preocupações de muitos portugueses com as questões da segurança. Além do mais, são culpados da principal chaga do regime: a corrupção.

3. Não por acaso, precisamente esta semana, foi conhecido o resultado de um inquérito europeu sobre a perceção de corrupção (a partir de 1.003 entrevistas em Portugal e 27.498 em toda a UE, realizadas entre 7 e 17 de dezembro de 2019). O resultado não deixa lugar a dúvidas: a esmagadora maioria dos portugueses (94%) considera que a corrupção está disseminada no país, com Portugal a apresentar a terceira maior taxa e muito acima da média da União Europeia (71%). À frente de nós, pelas piores razões, só está o pessimismo de croatas, gregos e cipriotas. O panorama é geral em toda a Península Ibérica, pois também a Espanha apresenta um resultado semelhante ao nosso. Perante esta realidade toda a classe política nacional se cala.

4. E depois há casos que caem no domínio da ética, como a demissão de Mário Centeno em direção ao Banco de Portugal (BdP) precisamente na altura em que o Parlamento decide que a partir de um determinado momento, já muito próximo, haverá – e bem – um período de nojo (cinco anos) entre ser governante e governar o BdP. Havia que escapar ao controlo a estabelecer e dar seguimento ao pacto evidentemente selado entre o primeiro-ministro e o seu antigo ‘Ronaldo das finanças’ para suceder a Carlos Costa. O Presidente da República não só finge que não vê como, até, apoia.

5. O silêncio do bloco central face aos extremismos tem a ver com esta atualidade. Dá jeito, aliás, que uns tantos exaltados, de um lado e do outro, esgrimam rancores históricos ou atuais. Enquanto a demagogia vai e vem folga a responsabilidade de quem construiu a sociedade que temos. Um dia, tudo isto terá o seu peso no voto. Os nossos radicais sabem-no. Estão aliados nessa estratégia.