Em finais de Outubro, as empresas que têm títulos cotados em bolsa apresentam os resultados do terceiro Trimestre e desde o início do ano, comparando-os com idênticos períodos do ano imediatamente anterior. É o cumprimento de uma obrigação legal que visa fornecer aos mercados informação rigorosa, completa e factual sobre a evolução dos negócios.

A divulgação de resultados, apesar de pública, dirige-se fundamentalmente a um público especializado, que está preparado para aplicar o mesmo rigor na análise e interpretação do que as empresas comunicam, e para retirar daí conclusões orientativas de decisões de investimento ou financiamento.

Se os resultados apresentados descrevem uma evolução positiva em termos de rentabilidade, os agentes de mercado considerarão que a empresa irá continuar a gerar lucros no futuro.

Numa outra óptica, os bancos vão concluir que a empresa apresenta um menor nível de risco, e criarão maiores facilidades à concessão de crédito ao financiamento dos seus projectos, contribuindo para a rentabilização dos negócios. A procura pelos títulos desta empresa vai crescer e as cotações vão aumentar, pelo que o valor da empresa será maior. Mas se a informação for negativa, cria nos agentes de mercado a ideia de que os negócios não estão a ser rentáveis. A atitude dos investidores e financiadores será mais cautelosa, as acções poderão perder valor, os financiamentos poderão tornar-se mais difíceis, e a empresa poderá ter de tomar medidas para se restruturar para sobreviver.

As consequências do que se transmitir aos mercados irão rapidamente ultrapassar o universo dos accionistas e financiadores e reflectir-se em cascata por todos os que directa ou indirectamente se relacionam com a empresa – trabalhadores, clientes, fornecedores, em geral por toda a sociedade. É por isso que a divulgação de resultados ao mercado é regulada por exigências muito apertadas quanto ao rigor, veracidade e transparência da informação.

É assim que o sistema deve funcionar.

Mas, muitas vezes, surgem leituras apressadas dos comunicados e apresentações das empresas, ressaltando apenas determinados pontos de forma descontextualizada. Daí resultam interpretações que se ajustam a aparências, e discussões acesas, impulsionadas por populismos de variados matizes. Por exemplo sobre os resultados das empresas energéticas e a necessidade (ou conveniência, ou justiça) de aplicar impostos extraordinários sobre esses resultados, porque são imprevistos e porque terão origem num aproveitamento, qualificado como indevido, de circunstâncias actuais.

São discussões mantidas muito mais no plano da emotividade do que da racionalidade. Qualquer tentativa de demonstrar que essas percepções estão erradas corre o risco de ser interpretada como uma agressão. E é exactamente por isso que os populistas gostam destas discussões.

Ora, a TAP acabou de declarar resultados positivos no Trimestre, o que relançou discussões sobre a empresa e as opções da sua gestão. Discutir-se-á, como de costume, a política de tarifas aéreas e a escolha das rotas, que são a fonte das receitas que produzem estes resultados. Mas também serão discutidos temas de menor relevância mas com impacto na opinião pública, por se tratar de uma empresa financiada por dinheiros públicos, como seja a atribuição de viaturas de serviço aos Administradores e Directores.

Tomemos este último tema. Assumamos que eu sou um honesto contribuinte, e por essa via financiador involuntário da TAP (poderíamos até dizer que sou coagido a ser um financiador da empresa). Sei por experiência própria que um BMW é mais caro do que um Renault ou um Toyota (passe a publicidade). Logo, a minha percepção é que será mais caro à empresa, que é financiada por mim, conceder aos seus Directores o uso de BMWs do que Renaults. Se é assim, como poderá alguém ter a ousadia de procurar convencer-me do contrário?

Evidentemente que esta imagem é possível de desmontar, se alguém me fizer uma descrição do funcionamento do contrato de renting, que assenta no facto de o BMW ter um valor de retoma superior ao Renault. Mas essa demonstração técnica vai ser difícil. À partida eu não estou preparado para acreditar que seja assim, porque vai contra toda a lógica que me é transmitida pela minha percepção da realidade. Eu sinto que é assim, por isso tem de ser assim, não percam tempo a tentar convencer-me do contrário.

A Administração da TAP entendeu, e bem, não dispender energia em contradizer esta falsa imagem que grassa no mercado. Não vale a pena. Quem quer discutir na base de percepções emotivas vai rapidamente buscar outro tema. Discutir temas relevantes e estratégicos como a política de tarifas ou de rotas será mais importante e útil.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.