Muitos são aqueles que precisarão de um programa do género daquele que a SIC lançou há mais de duas décadas, pelas mãos de Alexandra Lencastre e Fátima Lopes, com o objetivo de proporcionar as pazes entre pessoas que se tinham desentendido, se quiserem, um dia, fazer as pazes com aquele que durante mais de cinco anos conduziu os destinos do nosso país.

José Sócrates, que, durante um período relativamente longo, foi o homem do leme, passou, em pouco tempo, de amado e idolatrado a detestado e ostracizado, com muitos dos que se diziam seus amigos a cuspir no prato onde outrora se alimentaram.

Personalidade sempre controversa, foram-lhe sendo sucessivamente apontados vários “pecadilhos”, como a assinatura de diversos projetos de engenharia na Covilhã que lhe valeram repreensões da Câmara Municipal da Guarda, ameaças de sanções legais e severas críticas dos serviços camarários, uma intervenção pouco transparente no licenciamento do Freeport enquanto era ministro do Ambiente, uma licenciatura concluída em circunstâncias duvidosas, a utilização do título de engenheiro quando era apenas licenciado em engenharia sem nunca ter estado inscrito na Ordem dos Engenheiros, o envolvimento no escândalo Face Oculta, em que o seu amigo Armando Vara viria a ser condenado, e as diversas tentativas de controlo da comunicação social.

Não obstante, só com a queda do governo socialista em 2011, e a partida para Paris, onde levou uma vida faustosa, claramente acima das possibilidades económicas que se lhe conheciam, hipoteticamente sob o patrocínio do seu amigo Carlos Santos Silva, dono de um magnífico apartamento na zona nobre da cidade luz, viriam a ser apontadas a José Sócrates várias faltas, cuja verdadeira gravidade está ainda por apurar.

Concluído o mestrado em Ciência Política no Institut d’Etudes Politiques de Paris, Sócrates regressou por diversas vezes a Lisboa, passando mesmo a ter um espaço semanal de comentário politico na RTP e lançando, com pompa e circunstância, um livro, de autoria duvidosa, com base na sua tese de mestrado, num museu da eletricidade repleto de convidados de peso, como Lula da Silva, Mário Soares, o antigo procurador-geral da República, Pinto Monteiro, o antigo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, e quase toda a cúpula do Partido Socialista.

Nesta altura a estrela de José Sócrates ainda parecia brilhar intensamente, apesar das vozes que se iam fazendo ouvir de que o antigo primeiro-ministro estaria envolvido em negócios menos claros. Mas foi só em novembro de 2014, quando aterrou no Aeroporto de Lisboa, que a situação de José Sócrates viria a alterar-se radicalmente.

Detido e indiciado pelos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais, corrupção e tráfico de influências, no âmbito da Operação Marquês, Sócrates foi preso preventivamente em Évora, onde passou dez longos meses como o 44. Durante este período, muitos foram os que, por amizade ou por mero dever de ofício, visitaram o antigo primeiro-ministro, desde Mário Soares, a António Guterres, passando por António Costa, que pareceu, claramente, ter ido, a contragosto, picar o ponto.

Depois muitas fugas de informação, de se terem conhecido alguns dos interrogatórios de José Sócrates, de o Ministério Público ter deduzido acusação contra o ex-primeiro-ministro, os seus admiradores e antigos companheiros de estrada começaram a diminuir a um ritmo avassalador e passámos a assistir a um constante atirar de pedras contra o antigo homem do leme.

Numa altura em que o destino de José Sócrates parece cada vez mais estar traçado, com o ex-primeiro-ministro com dificuldades em justificar diversos comportamentos tidos aquando da chefia do executivo, são muitos os “ratos” a abandonar o navio, encolhendo a mão que durante tanto tempo esteve estendida, entre eles uma ex-namorada/jornalista que aparece, agora, qual virgem ofendida, a apelidar o seu antigo companheiro de mentiroso compulsivo.

Não estranho, por isso, que António Costa, que nunca morreu de amores por Sócrates, tenha tirado o tapete ao seu antecessor, dando instruções para que as principais figuras do PS demonstrassem publicamente, qual Pedro em relação a Cristo, o seu distanciamento face a alguém que durante tanto tempo idolatraram.

Nos dias que correm, Sócrates é um homem cada vez mais isolado, tendo prescindido de João Araújo, que durante tanto tempo deu o corpo às balas pelo seu representado, e procedido à desfiliação do Partido Socialista, que tem demonstrado cada vez mais interesse em distanciar-se do socratismo.

Por mais longínqua que a hipótese se nos afigure no presente – e como na política quase tudo é possível – caso Sócrates consiga, no futuro, rebater as acusações que lhe são feitas e voltar a aparecer messianicamente como salvador da pátria, muitos terão que engolir as afirmações que entretanto proferiram, votando o antigo líder ao degredo. Estes teriam, então, que desfilar num procissão de perdão por se terem antecipado à Justiça e condenado aprioristicamente o ex-primeiro-ministro. Entretanto, não se deixem enganar: ele vai andar por aí.