Há um mês atrás escrevi aqui que a tentativa da impugnação dos resultados eleitorais por parte de Trump estava condenada ao insucesso. Tanto assim foi que o tema deixou de ser notícia, aproximando-se a data (a próxima segunda-feira) em que o Colégio Eleitoral, reunindo os eleitores de cada um dos 50 Estados (e do Distrito de Colúmbia) votarão pela segura maioria de 306 votos eleitorais e quase 82 milhões de votos , o novo Presidente Joe Biden e a nova vice-presidente Kamala Harris.
A notícia passou a ser outra: a possibilidade de Trump, ainda presidente até 20 de Janeiro, perdoar membros do seu gabinete (e muitos da sua família) por eventuais crimes federais. E, no limite, perdoar-se a si próprio.
Habituados a ver o nosso Presidente da República , nas vésperas do novo ano, a indultar penas, que resultam de um rigoroso exame das decisões dos tribunais e do passado prisional do condenado, indiciador de arrependimento, é difícil imaginar que o tradicional direito de graça ou de clemência atribuído aos chefes do Estado (historicamente associado às prerrogativas reais) possa transformar-se em mecanismo para garantir a imunidade presente e futura de amigos e família, muitos deles sem qualquer acusação formal sequer.
Contudo, os fins de mandatos dos presidentes americanos estão recheados de situações dessas. Recordemos o perdão de George H.W. Bush ao seu secretário da Defesa Caspar Weinberger por obstrução à justiça no escândalo “ Irão-contra”, da clemência de Bill Clinton em relação ao seu apoiante e financiador Marc Rich por evasão fiscal e , talvez o caso mais conhecido, o perdão de Gerald Ford concedido a Richard Nixon a propósito do caso Watergate.
Este último teve um alcance inusitado: “é concedido um completo, livre e absoluto perdão (…) por todas as ofensas contra os Estados Unidos que Richard Nixon cometeu, possa ter cometido ou tomado parte durante o período de 20 de Janeiro de 1969 até 9 de Agosto de 1974”. Ou seja, durante todo o seu mandato como Presidente.
Na altura tal decisão foi muito contestada, embora não tenha chegado a ser analisada pelo Supremo Tribunal que, sobre a matéria, tem escassa elaboração jurisprudencial. Mas a verdade é que há 240 anos alguns dos “founding fathers” recearam a formulação ampla do direito de perdão e propuseram, sem êxito, que nenhum perdão presidencial pudesse ser conferido sem a aprovação do Senado.
Especula-se hoje que Trump poderá ser tentado a renunciar ao cargo por forma a que o seu vice-presidente Mike Pence, como Presidente, o perdoasse, tal como Ford fez em relação a Nixon. A outra hipótese seria o auto-perdão . Porém, parece existir consenso em que tal decisão seria manifestamente inconstitucional, considerando o princípio fundamental de que ninguém pode ser juiz em causa própria. Mas mesmo que, por absurdo, tal fosse permitido, o perdão presidencial só se concretiza se o destinatário o aceitar. O que não deixa de ser uma confissão da culpabilidade.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.