O atual contexto económico resultante da pandemia do novo coronavírus é cada vez mais desafiante e inesperado para as empresas, tanto a nível global como local. Daí que as transações das organizações tenham de ser fortemente avaliadas, de diferentes ângulos.
Esta certeza deu mote ao mais recente webinar do Jornal Económico em parceria com a EY, que pode rever na íntegra aqui, e cujo debate pode ler em baixo.
Como está a evoluir o mercado de M&A na atual conjuntura de pandemia?
Miguel Farinha (MF): É um mercado que variou bastante durante todo este período de pandemia, desde o início da pandemia em março. Passámos por várias fases que, num contexto anterior, se calhar íamos observá-las no espaço de dois ou três anos e em poucos meses elas aconteceram.
No início (março, abril e maio) houve uma paragem quase total do mercado: a maior parte dos processos foram cancelados, suspensos ou atrasados. Até que em maio, começámos a incorporar que a vida ia voltar a alguma normalidade e grande parte das transações que estavam a acontecer no passado voltaram, de alguma forma, a arrancar. Já em julho, agosto e setembro observámos uma das fases mais fortes da atividade de M&A em Portugal de que há memória. Outubro e novembro ainda contaram com bastante atividade no mercado – mas honestamente começa-se a notar agora que o pipeline de transações para os próximos meses está a diminuir, ou pelo menos está a levar uma ligeira quebra.
Se pensarmos por setores, tivemos um mercado de M&A muito alicerçado em grandes transações – autoestradas, energias, gás e até algum imobiliário. E, em Portugal, continuamos a vender fundos portugueses a investir e à procura de oportunidades para investir, muitos corporate estrangeiros a investir no mercado português e a voltar a um fenómeno que são aqueles fundos chamados “abutres” a ligar-nos e a perguntar “O que é que está barato no mercado português?”, principalmente no que diz respeito ao setor do turismo.
Ainda assim, as perspetivas são boas. Este mercado está a crescer e no próximo ano vai ter um ano forte de M&A. Agora, depende muito do que vai acontecer nas próximas semanas, porque neste momento dizer mais do que semanas é complicado no cenário atual.
Qual a importância de ter uma estratégia de M&A para o desenvolvimento da estratégia de uma organização?
Miguel Cardoso Pinto (MCP): O M&A é e sempre foi extremamente relevante para a execução da estratégias das organizações. Neste contexto, como o Miguel Farinha comenta, é cada vez mais importante . Um dos pontos chaves para a importância do M&A é a razão pela qual os executivos olham para o M&A e, segundo um recente estudo que a EY publicou, é para encontrar novas competências, quer sejam skills, processos, tecnologias ou ativos e até valores.
Num mundo que está em transformação exponencial, as empresas são obrigadas a pensar em novos modelos de negócio – e esses vão obrigar a entregas que exigem competências de que as empresas hoje não dispõem. E portanto, para elas, fica muito mais fácil, barato e rápido conseguir adquirir essas competências fora.
Obviamente, a aquisição de competências não é a única razão apontada para esta procura de M&A. Há também: a intenção de ganhar escala; procurar chegar a novos produtos/serviços/white spaces; encontrar novos mercados e geografias para entregar crescimento e expetativa de crescimento para os seus stakeholders.
Que papel pode desempenhar a tecnologia durante um processo de M&A? Quais os impactos que esta pode ter numa transação?
David Oliveira (DO): Eu dividiria a resposta em dois patamares. Primeiro, dentro do processo de M&A é muito importante a tecnologia. Por exemplo, era impensável há uns anos fazermos contagem num armazém com um drone – e conseguimos fazê-lo hoje. A tecnologia no processo de M&A é muito bom para nos recolhermos informação de forma massiva quer dentro da própria empresa, quer externa que possa dar enquadramento à transação e melhor informação à gestão para decidir.
Ainda, a tecnologia é muito importante porque os processos assentam em tecnologia e portanto quem está a adquirir passa a ter uma visão clara sobre o ecossistema tecnológico da empresa que está adquirir.
Portanto, olhar para esse ecossistema e perceber de que forma é que ele sustenta a organização e os processos de maneira que eles estão alinhados com os objetivos estratégicos de negócio dessa mesma empresa e é absolutamente fundamental porque no limite a empresa pode estar muito bem e apresentar bons resultados, mas tem um conjunto de sistemas delegados, e esses mais à frente não vão dar resposta.
É importante também olhar numa outra perspetiva, que é: a empresa tem a tecnologia e gestão tecnológica in-house? Ou está fora? É que isso implica custos. Outro aspeto, muito importante neste momento, tem que ver com as questões de cibersegurança e de segurança propriamente dita, especialmente agora que há muita gente em teletrabalho. Há muito mais riscos.
Dentro deste ecossistema é muito importante olharmos para a tecnologia não só da perspetiva de negócio, mas também como é que isso vai ser no planeamento estratégico de quem está adquirir e que tipo de investimentos vai requerer. Podemos ter sinergias com as tecnologias do ativo que estamos a adquirir ou efetivamente podemos ter uma necessidade de investimento adicional, que é importante considerar logo à cabeça.
De que forma as Private Equities estão a viver a atual conjuntura? Há mais ou menos oportunidades? Surgiram desafios distintos dos que tinham?
Miguel Lencastre (ML): A Atena é uma sociedade gestora que gere dois fundos. O primeiro fundo é um que está totalmente investido – e que enfim já estamos numa situação de desinvestimento (desinvestimos em três oportunidades). O segundo fundo, de 75 milhões de euros, cujos participantes são, além da equipa de gestão, consórcios de entidades europeias e americanas que envolvem fundações, universidades e fundos de pensões, investe em empresas portuguesas, PMEs, com alguma dimensão: vendas superiores a 10M, valores ativos entre os 10 e os 100M. Investimos em qualquer setor de atividade, incluindo em ativos com uma forte componente imobiliária e diversos tipos de situações.
Neste enquadramento, temos duas atividades principais: gestão e acompanhamento das empresas participadas e a atividade de investimento propriamente dita. Agora, na parte de gestão estamos a viver esta conjuntura de forma idêntica a que estão a viver a maioria dos empresários e das empresas portuguesas. Isto é, passámos enormes dificuldades operacionais num curto espaço de tempo.
No nosso ponto de vista, como nenhuma das nossas empresas estava num setor extremamente crítico, como o turismo, e como entrámos nesta fase com um suporte financeiro forte, com liquidez e algumas linhas de crédito por utilizado, nós achamos que vamos passar este momento com alguma estabilidade.
Na área do investimento, e quanto às oportunidades, este momento caracteriza-se por extrema volatilidade e por setores altamente afetados. Nesta conjuntura é natural que haja espaço para transações e que haja espaço até para alguma correção de preços. Acontece que o que nós verificámos, como o Miguel Farinha dizia, a maior parte das transações não ocorreu nas PMEs – foram outro tipo de transações.
Os desafios também são enormes, eu acho é que só durante o próximo ano é que haverá maiores oportunidades neste domínio e provavelmente serão no âmbito das reestruturações operacionais e financeiras e dos setores extremamente afetados pela pandemia.
A forma como as empresas analisam hoje uma potencial transação está a evoluir, para além da vertente financeira e fiscal?
MF: A forma como olhamos, num contexto de pandemia, para uma empresa muda face ao que olhávamos anteriormente. O ano 2020 será todo ele um ano off. Mas isto é um momento circunstancial, não é estrutural: está a acontecer agora, é preciso percebê-lo, isolá-lo, e seguir em frente com o mesmo. Depois temos a forma como hoje em dia se olha para um operação de M&A e para as variáveis da mesa.
Hoje em dia, o número de serviços adicionais de due diligence que são feitos numa aquisição aumentou exponencialmente. Esta perspetiva muda muito consoante quem é o comprador final: quem é o investidor para quem estamos a trabalhar? Seja um investidor estrangeiro, uma private equity, um capital de risco ou um investidor estratégico, as preocupações são diferentes em cada um desses momentos e é diferente o nível de suporte que precisam de prestadores de serviços para cada uma dessas questões.
Em termos de resumo, claramente que os temas que eram há 10 anos ou 5 anos normais numa aquisição, mas hoje em dia o stake abriu-se enormemente. Há preocupações muito mais amplas, no âmbito da operação do negócio do que simplesmente a sua parte financeira, fiscal e legal.
Que riscos pode uma transação representar para uma organização?
MCP: Há dois momentos aqui. Primeiro, os riscos no processo de aquisição, e no estudo que mencionei há pouco são apontados pelos executivos os riscos globais e regulatórios como um dos principais desafios nos riscos que são encontrados. É interessante porque estas diligências de que o Miguel Farinha falava há pouco são consideradas como insuficientes pelos executivos quando os processos são finalizados.
Há também riscos de integração, que era um pouco o que o David também referia, e que se podem dividir em dois temas críticos: 1) a dificuldade de integrar diferentes tecnologias, de quem compra e de quem é comprado; 2) a cultura – que é um dos grandes handicaps na correta integração destas operações.
O que se verifica é que muitas vezes a empresa que compra não tem capacidade de avaliar corretamente a cultura e integrar essa cultura na empresa. Dando um exemplo: na necessidade de reinventar os modelos de negócio, o que algumas empresas têm feito é procurar essa reinvenção e inovação fora da empresa.
E qual é o caminho aparentemente fácil? Bom, vamos comprar uma startup de tecnologia que está a reinventar um espaço de oportunidade num tipo de negócio específico e vamos trazer para dentro. E esse tema da integração cultural é chave, porque o que acontece muitas vezes nessas operações é que até quando são empresas de dimensões bastante diferentes, as startups são “engolidas” pelo core business. E é preciso dar espaço que respeitem essa cultura, tantas vezes diferente, e que é necessária ter e compreender para que a startup continue a desenvolver a sua atividade e a gerar valor para a empresa que a adquiriu.
Diria que estes são os riscos que normalmente os executivos apontam como os principais temas que deveremos ter em atenção numa operação deste género e reforçava este tema da cultura, exatamente porque é negligenciado muitas vezes.
Como é que uma empresa, que está a pensar efetuar uma transação, pode ter maior visibilidade sobre a eficiência operacional de uma organização?
DO: Temos que olhar para o ciclo da transação como um todo. Em determinado momento, é muito importante olhar para além dos números, ou seja, perceber aquilo que está além da performance financeira e fiscal da empresa. É preciso descer à operacionalidade da empresa e perceber os seus processos e modos de funcionamento, porque isso nos vai ditar como é que nós vamos integrar essa mesma empresa dentro daquilo que é o nosso portfólio.
Aqui, seja corporate ou seja uma private equity, depende dos objetivos mas, em bom entendimento daquilo que é a operacionalidade da empresa, vai ditar os timings em que cada um dos momentos de integração pode e deve acontecer. Se calhar, mais rapidamente vou integrar uma componente de backoffice e vou deixar a componente comercial mais para a frente, depende da tipologia de transação que estamos a falar e da forma como estamos a prever o investimento que vamos fazer.
Portanto, é muito importante nós ditarmos todos esses timings e perceber efetivamente a operação da própria empresa. Depois, existem aqui umas componentes, como as due diligence comerciais que se revestem aqui de uma importância muito grande porque ao estar a comprar, além das questões culturais, eu também tenho questões de potencial canibalização com os serviços ou produtos que eu tenho que ter.
Adicionalmente, há uma questão que muitas vezes é descurada mas que é interessante de analisarmos: muitas vezes estamos a comprar e estamos convencidos de que os melhores processos somos nós que os temos – e isso nem sempre é verdade. Incorporar essas mais-valias são as sinergias e o valor acrescentado que eu trago de uma transação é muito importante.
Quais são os principais aspetos que tem em consideração quando decide fazer uma nova aquisição para o seu portfólio?
ML: Uma pergunta extremamente pertinente, aliás, porque como eu tive oportunidade de referir há pouco, nós temos um fundo de 75 milhões de euros em período de investimento, e todos os dias pensamos nisso.
Nós procuramos responder a duas perguntas muito simples quando olhamos para oportunidades de investimento: porque é que nós gostamos do negócio? Porque é que gostamos da transação/deal?
Temos em consideração fatores macroeconómicos, por exemplo: se é um setor em crescimento, em pico (o turismo no ano passado), barreiras à entrada, se existe uma marca forte. Isto do ponto de vista do negócio: ele tem que ser interessante, independentemente das condições da transação, que serão: o preço, se existe um plano de criação de valor, etc.
Obviamente, muito relevante para private equities é se existe liquidez ou se, depois de implementado esse plano de criação de valor, a empresa será atrativa para que tipo de investidores/player? Finalmente, tentamos identificar e, mais uma vez na mesma linha das diligências, os principais riscos associados ao investimento e de que forma podemos mitigá-los, de forma contratual ou de gestão trazendo para a empresa competências que esse target ainda não tem.
Tendo em consideração as transações de que é responsável, que ações considera mais pertinentes serem tomadas pelas empresas?
MF: Claramente, transações sem fazer due diligence apropriada não fazem sentido. Uma due diligence não é mais que validar as expectativas de compra de quem está a investir no negócio. As expectativas que existem podem variar de empresa para empresa e de negócio para negócio e a preocupação que existe é perceber, muito bem, o que estamos à espera deste negócio e como vamos validar, durante a fase de due diligence, uma fase por norma muito curta.
Em termos de ações mais importantes, o mais relevante é ter uma visão holística de todo o processo de transação, ou seja, perceber claramente porque estou a comprar este negócio e como vou gerir todo este processo – o processo de transação não acaba no dia que acontece o closing da operação.
Nesse dia está a começar o momento em que vamos começar a perder valor e a preocupação tem de estar centrada nesse ponto.
Que plano tenho para garantir que vou absorver todo o valor criado para esta operação e desde que seja um plano de integração a x dias que se fazem muitas vezes, mas isso tem de estar definido desde o momento que vamos pensar em comprar este negócio.
Que vetores de análise devem ser considerados no plano estratégico de uma empresa para que a política de M&A seja bem sucedida?
MCP: O primeiro passo que acho que deve ser dado é fazer um exercício de reflexão estratégico e estruturado. Seria uma surpresa para algumas pessoas, a quantidade de empresas que vemos que não têm essa visão de estruturar a longo prazo e é cada vez mais relevante que ela exista.
O grande desafio, antes de tudo é criar um ponto de vista único sobre como será o futuro da organização, como poderemos gerar e capturar maior valor desse futuro. Só a partir daí é que teremos condições de criar e desenhar a nossa agenda de M&A.
Sinto que muitas vezes quando se faz o exercício de M&A, apesar de haver tipologias diferentes, a regra que se usa costuma ser sempre a mesma. Temos de ser cada vez mais cuidadosos para entender qual é a tipologia de operação que estamos a tratar, temos de ter uma visão integrada para entender exatamente qual é o processo de due diligence que temos de fazer e ainda qual é o processo de integração que se enquadra naquela operação especifica.
Os processos de M&A são todos muito semelhantes? Existem diferenças entre eles? A estratégia de integração deve seguir os mesmos passos?
DO: A única semelhança num processo de M&A é que há alguém a vender e há alguém a comprar. As empresas têm DNAS diferentes e claramente resultam em processos de integração diferentes. Em primeiro lugar é preciso olhar para a motivação da transação.
Na EY quando olhamos para uma transação caracterizamos normalmente em quatro grandes tipologias: crescimento estratégico, o aumento de portfólio, escala e eventualmente transformar ou comprar uma pequena empresa. Se olharmos para uma empresa que está a fazer uma aquisição para crescimento estratégico ou aumento de portfólio, aquilo que significa é que eventualmente vai entrar num novo mercado ou vai trazer um novo produto.
Portanto quando eu estou a querer integrar uma empresa desta natureza eu posso não querer ganhar efeitos de escala, de uma forma imediata, em todas as áreas da empresa, provavelmente o que vou fazer é: tenho maior probabilidade de integrar em primeiro lugar a parte do backoffice pois tem menos risco, no entanto aquela área que eu desconheço ou porque é uma geografia diferente ou produto diferente poderá ser tratada de uma forma isolada. É muito importante reter o talento.
É muito importante aprender com as competências que existem e o que não queremos é que essas pessoas se sintam de alguma forma ultrapassadas, e portanto é muito importante esse processo de integração. Agora, se estivermos a falar de uma aquisição para fazer escala, aí é completamente diferente. O processo de due diligence tem de ser muito bem feito porque se quero ganhar escala significa que tenho de ter eficiência de custos e operacionais, logo aquelas due diligences que falávamos seja de IT, sejam operacionais, sejam comerciais têm de ser muito bem feitas.
Portanto se são duas tipologias de transações completamente diferentes, estas seriam as linhas orientadoras, mas mais uma vez digo que cada transação é uma transação.
Para uma private equity quão importante é, na sua opinião, que exista um processo estruturado que abarque todo o ciclo da transação?
ML: A Atena foi fundada no pressuposto do que é critico ter experiência operacional dentro de casa para tomar melhores decisões de investimento e para apoiar as equipas de gestão das empresas participadas elaborarem e executarem planos verdadeiramente transformacionais.
Nós identificámos muito cedo na nossa fundação que era necessário algo para além das skills de M&A, para fazer bons investimentos e para geri-los. Portanto, isso vai ao ponto de termos duas equipas separadas, ambas com os mesmos objetivos de carreira, ou seja uma equipa que trata de temas operacionais e uma equipa que trata de temas que têm a ver mais com a parte de investimento e M&A.
Posso dar um exemplo de um dos primeiros investimentos que fizemos, ainda na fase de negociação no contrato de compra e venda com o vendedor, contratámos a EY para fazer a gestão de tesouraria dessa empresa e isso deu-nos conforto para podermos fazer uma proposta que tinha muito mais a ver com a realidade de cash flow daquela empresa. Era muito difícil termos uma perceção do cash flow e neste caso fomos à tesouraria antes de fazermos o investimento. Aqui está uma atividade extremamente operacional que nós incluímos no processo de aquisição numa fase bastante embrionária. É evidente que nós como investidores achamos importante que hajam processos onde exista uma atuação mais abrangente e que não pare só no que era mais típico.
As skills das pessoas que operam essas tarefas são diferentes e nós temos estas skills operacionais internas em casa, não temos por exemplo as skills necessárias para uma análise técnica ou comercial e isso teríamos sempre de subcontratar.
Assista ou reveja este webinar na íntegra aqui.
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