Nos últimos dias assistimos a uma escalada da violência no Médio Oriente. Os factos enunciam-se de forma simples e sintética: os Estados Unidos abateram o general iraniano Qasem Soleimani, responsável por uma série de assassinatos perpetrados por tropas ira­nianas, membro da linha dura do regime de Teerão e com uma folha de serviços manchada pelo sangue de muitas centenas de inocentes, militares, civis, crianças, mulheres e homens que apenas cometeram os “delitos” de estarem vivos no local errado e à hora errada.

Como era expectável, o regime sanguinário dos aiatolasnão perdeu tempo a ripostar. Três bases militares norte-americanas e da coligação internacional localizadas em terri­tório do Iraque foram atacadas por mísseis “terra-terra” e “terra-ar” lançados a partir do Irão, cujo principal dano (colateral) acabou por ser um avião civil ucraniano onde viaja­vam 176 cidadãos civis, na sua maioria canadianos, não tendo havido sobreviventes. Te­erão acabou por confirmar a responsabilidade do massacre, atribuindo-o a um erro ou falha técnica.

Durante algumas horas, o mundo encontrou-se pendente do que poderia vir a ser a resposta dos Estados Unidos a este ataque militar.

Foram horas de angústia – não só por se ter tratado do primeiro ataque a uma base militar norte-americana realizado por um Estado terceiro desde o longínquo massacre de Pearl Harbor que determinou a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, mas também e sobretudo pelo facto de a sala oval de Washington ser, de momento, ocupada por um presidente instável, errático, e que, por regra, em matéria de política externa, se caracteriza por costumar fazer mais parte do problema do que da so­lução.

Donald Trump optou por não reagir militarmente – antes, preferiu anunciar o reforço das sanções económicas contra o regime iraniano.

Opção que, se não contribuiu para reforçar a escalada de violência, acabará fatalmente por se refletir mais nas condições de vida da já martirizada população iraniana do que, propriamente, na oligarquia teocrática que go­verna, saqueia, enriquece e esbulha aquele rico território.

Perante esta escalada de violência, que promete continuar, a comunidade internacional, com a ONU à cabeça, continuou a assobiar para o lado e a fazer de conta que nada se passou. Declarações pias de condenação, desprovidas de qualquer efeito útil e prático, em nada contribuem para solucionar um conflito que, de um momento para o outro e quando menos se espere, pode agravar-se, degenerar e transformar-se num confronto que acabe por escapar ao controlo dos seus próprios contendores.

No quadro da comunidade internacional, todavia, voltou a “ouvir-se” de forma tonitruante o silêncio e a omissão da União Europeia – que persiste em não conseguir elaborar uma posição coerente, coesa e forte face ao conflito que se trava há anos no Médio Oriente e na região do Golfo Pérsico.

Um desacordo que, recorde-se, não é de hoje e vem já do tempo em que, sob a liderança do falecido presidente Jacques Chirac, a França (com o apoio envergonhado da Alemanha) decidiu pôr em causa a coesão europeia por altura da invasão norte-americana do Iraque, fazendo apelo à célebre divisão entre a “velha Eu­ropa” e a “nova Europa” (lembram-se?) – aquela fortemente crítica da postura e da soli­dariedade com o aliado norte-americano, esta última defensora daquela solidariedade e do apoio político àquele envolvimento militar norte-americano.

Perante este e outros conflitos que se vão replicando um pouco por todo o mundo, impõe-se de uma vez por todas que a Europa da União saiba concertar as suas posições e ter, de facto, uma voz ativa, forte e respeitada no contexto internacional.

Para mais, num mo­mento em que o Reino Unido – que durante muitos anos foi sempre visto como o travão por excelência à assunção dessa política externa comum – se prepara para abandonar a União Europeia, diminuem drasticamente as razões justificativas para que a União não consiga estruturar e edificar uma verdadeira Política Externa e de Segurança Comum (PESC) face aos desafios que se vão multiplicando, muitos deles nas suas fronteiras ex­ternas e praticamente nas margens do seu território.

Os desafios que a Sra. von der Leyen e o Sr. Josep Borrell têm pela frente são imensos e inúmeros. A construção de uma verdadeira e real PESC, porém, tem de estar no topo das suas prioridades. Sem mais demoras, sem mais delongas, sem mais atrasos.

De contrário, continuaremos a ter uma União Europeia que, para recorrermos ao jargão comunitário, continuará a ser um gigante económico (e agora um gigante menos gigantesco, com a partida do Reino Unido) e um verdadeiro anão político. E – como já o escrevemos várias vezes e não nos cansamos de o repetir – o mundo, lá fora e para lá da União Europeia, continua a mover-se e não parará à espera que a União resolva as suas divergências e as suas dissensões internas.

A alternativa, infelizmente, é conhecida – se a União não se mobilizar, não atuar e não der mostras de possuir essa política externa de defesa e de segurança comum, será inevitavelmente relegada para um papel secundário neste mundo de grandes espaços e o seu lugar acabará por ser ocupado por outros atores internacionais que já estão identificados e só esperam a oportunidade para se fazerem ouvir, escutar e intervir.

Repetimos – o mundo não para à espera da União Europeia. Convirá que esta não perca muito mais tempo se, de facto, se pretende assumir como um verdadeiro ator na cena internacional.