O ano era 2014 e a União Europeia (UE) estava prestes a dar um salto legislativo há muito reivindicado para uma adequada gestão dos mares europeus: publicava-se a Diretiva 2014/89/UE – que estabelecia finalmente um quadro para o ordenamento do espaço marítimo. A Diretiva estava (e está) cheia de boas intenções e determina também várias obrigações para os Estados-membros. No entanto, dez anos passados, a realidade mostra que a maioria dos países da UE está longe de atingir os objetivos pretendidos.

Explique-se: antecipando a ocupação crescente de espaço marítimo europeu para atividades relacionadas com a pesca, o turismo, a aquacultura e até energias renováveis, e procurando acautelar a conservação dos ecossistemas, a Diretiva procurou estabelecer um quadro integrado e comum para o ordenamento e gestão marinha/costeira, cabendo aos Estados-Membros a elaboração dos planos nacionais de ordenamento do espaço marítimo até 31 de março de 2021.

Mas uma análise das estratégias marítimas de 16 Estados costeiros da UE realizada recentemente pela WWF revela que nenhum está no caminho certo para cumprir as metas climáticas e de proteção da natureza da UE, com muitos países ainda sem planos robustos ou eficazes.

Infelizmente, e sem ser novidade, Portugal não é exceção, principalmente no que toca às Regiões Autónomas. Na Madeira, o plano atual foca-se nas atividades marítimas e costeiras do presente, como o turismo (que representava mais de três quartos do valor acrescentado bruto marítimo entre 2016 e 2017), portos e pescas; não promove ações para alcançar uma assim chamada “economia azul” mais moderna, eficiente em recursos e neutra em carbono; não aponta o caminho para uma adaptação a um turismo mais responsável ou sustentável, ou para a promoção de práticas de pesca de baixo impacto.

Além disso, não apoia ativamente a conectividade entre Áreas Marinhas Protegidas (AMP) nos mares da Madeira, nem define a sua gestão eficaz, ambos cruciais para cumprir o Pacto Ecológico Europeu. Nada de surpreendente, principalmente numa altura em que o próprio Governo Regional acabou de permitir a pesca de gaiado (uma espécie de atum) na maior AMP do Atlântico Norte, Reserva Natural das Ilhas Selvagens, arriscando comprometer a integridade ambiental da reserva e colocar em risco anos de esforços de conservação, como alertámos recentemente.

Nos Açores, por outro lado, o Plano de Ordenamento do Espaço Marítimo esteve por finalizar durante anos por desacordos entre Governos, deixando a descoberto 57% da ZEE Portuguesa (930 687 Km2). Aprovado recentemente em Conselho de Ministros, deixou no entanto as portas abertas à exploração de hidrocarbonetos e à mineração em mar profundo.

Mais: dada a importância destas águas do ponto de vista estratégico e ecossistémico, teria sido fundamental adotar uma estratégia robusta do ponto de vista da transparência e participação cidadã, a par de um nova Avaliação Ambiental Estratégica que permitisse uma boa integração no plano nacional existente – mas nada disto aconteceu.

O desalinhamento entre os planos de ordenamento do espaço marítimo e o Pacto Ecológico Europeu é evidente e altamente frustrante. Enquanto o Pacto aponta para uma Europa neutra em carbono até 2050, os planos marítimos (in)existentes falham em integrar metas climáticas e de biodiversidade adequadas.

Para retomar o rumo, é imperativo que os decisores políticos nacionais e europeus reconheçam a interdependência entre Oceano, clima, energia, natureza, pescas, comércio, turismo e até cultura e subsistência – não é preciso fazer muitas contas para perceber que uma gestão marítima integrada e sustentável não só protegerá o ambiente marinho, como garantirá a prosperidade das comunidades europeias que dele dependem.

A celebração dos dez anos desta Diretiva deveria ser um momento de orgulho, mas a realidade impõe-nos uma reflexão muito crítica: estamos a falhar na adoção de uma abordagem baseada em ecossistemas para o Planeamento Espacial Marítimo – e na qual continua a fazer todo (e cada vez mais) sentido apostar. Caso contrário, será cada vez mais difícil para a UE e seus Estados-membros superarem os impactos das alterações climáticas e travarem a crescente crise de biodiversidade. E não temos propriamente mais dez anos para recuperar tudo o que já foi perdido.