Em lugar do testar, testar e testar, este Governo deveria, logo em Março, ter planeado o combate eficaz à Covid-19 e à segunda vaga que os epidemiologistas tinham avisado que viria. À portuguesa, este Governo preferiu arrogantemente vangloriar-se da vitória numa batalha, esquecendo-se que isto é uma guerra e há muitas batalhas pela frente, pandémica e económica. De vitória em vitória até à derrota final.

Este Decreto da Presidência do Conselho de Ministros, executando o Decreto do Presidente da República da declaração do estado de emergência, falha rotundamente nas duas frentes: a pandémica e a económica. Aliás, o fundamento anunciado numa madrugada pelo primeiro-ministro para este quadro legislativo é simplesmente jurídico, para permitir legalmente o cercear dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Na frente pandémica, faltou o planeamento do reforço dos meios do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a contratação de meios humanos, os necessários intensivistas, o recurso aos sectores de saúde privado e social, a compra de ventiladores e de camas de cuidados intensivos, custe o que custasse.

Neste campo, não se pedia eficiência (optimização de meios) mas eficácia (atingir o resultado, independentemente do custo desses meios). O barato sai caro e os portugueses, estou convicto, teriam preferido gastar (investir) muito mais no SNS do que em aventuras empresariais do Estado!

É que agora a economia, o produto nacional, o desemprego e os impostos vão sofrer e muito. A segunda vaga, numa altura em que a economia já ia mal, vai ser terrível.

E o que fez o Governo? Num conjunto de medidas avulsas, incoerentes, irracionais, sem qualquer compensação para os sectores que irão sofrer mais com estas medidas, este Governo consegue, numa penada, destruir o que se manteve a sobreviver nestes tempos difíceis.

O recolher obrigatório nos fins-de-semana irá definitivamente destruir todo o sector hoteleiro e da restauração, para além da estúpida concentração de pessoas nos supermercados naquele período de manhã de sábado e domingo.

As restrições na circulação definidas de modo vago e dúbio são setas apontadas à economia. Impedir a circulação é impedir o consumo.

O que se impunha imediatamente era a reposição do lay-off simplificado e revogar esse aborto jurídico do Apoio à Retoma Progressiva das Empresas. O próprio nome impõe a sua revogação! Não há retoma enquanto houver este estado de emergência. Impor quebras de facturação, fazendo tábua rasa do EBITDA, da margem operacional das empresas é ignorar o que é uma empresa e muitas delas só começam a atingir o break even neste último trimestre.

Se virmos os curricula dos nossos ministros, nem um é ou sequer foi empresário ou gestor. Siza Vieira foi advogado, mas verdadeiramente não foi empresário ou gestor. São insensíveis a quem dá trabalho, a quem cria riqueza, a quem assume riscos e responsabilidades pessoais com as dívidas empresariais.

Estão habituados nos corredores do poder a lidar com as empresas dos sectores regulados e de rendas garantidas. Por isso, só para dar um exemplo, não ligam às pequenas e médias empresas da hotelaria e da restauração e ao comércio e aos efeitos dramáticos que estas medidas produzirão. Não ligam às grandes empresas, do sector de bens transaccionáveis e exportadoras.

Não ligam por ignorância, porque, mais tarde ou mais cedo, a falta de riqueza produzida traduzir-se-á em maior desemprego, mais impostos mas menor arrecadação fiscal, mais dívida pública e aí, quem estiver no poder, tomará as medidas que nos impuserem os nossos credores.

Só haveria esperança para a economia se o ridículo pagasse impostos, quando o ministro Siza Vieira anuncia com pompa e circunstância que haverá nova linha de crédito no valor global de mil e quinhentos milhões de euros (mais dívida nas empresas?) com uma taxa de conversão em linhas a fundo perdido, só para micro, pequenas e médias empresas, para uns sectores restritos, num valor máximo de, pasme-se, 40.000 euros por empresa e, claro, com a condição de não reduzirem os empregos e situação fiscal regularizada. É o apoio impossível!

Não se planeou o combate à pandemia sanitária e agora temos a pandemia económica. Planear, planear e planear nas duas frentes é essencial, porque mais vale tarde do que nunca.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.