A Pordata tem o mérito de regularmente nos informar sobre o estado da Nação. Porque se trata de estatísticas, dir-se-ia que a objetividade deveria imperar na sua interpretação. Na semana passada publicou mais um conjunto de dados sobre a situação do país dos quais a imprensa fez eco. O Diário de Noticias optou pelo seguinte título: “Envelhecido, com pouca educação, mal pago”. O Público não divergiu muito: “Somos […] mais velhos do que novos, com poucos estudos e filhos.”

Temos uma irreprimível tendência para nos autoflagelarmos. Na realidade, qualquer fotografia estatística de um país ignora as tendências subjacentes aos dados publicados. Desta forma, uma das razões pelas quais somos mais velhos hoje que há dez anos tem a ver com a espetacular progressão da esperança de vida dos portugueses. Em dez anos, aumentou de 1,9 anos, de 78,9 anos em 2008 para 80,8 em 2018. E continua a aumentar. Somos o quinto – quinto – país do mundo em longevidade. E caminhamos para ser o primeiro. Portanto, se é certo que a baixa natalidade justifica muito do nosso envelhecimento, os progressos na assistência e qualidade de vida na velhice, do SNS aos pagamentos de pensões de velhice também o justificam e devem ser motivo de orgulho para todos nós e exemplo a seguir.

Falemos agora da educação. Em 2002, mais de 80% dos empregadores não tinha mais do que o ensino básico, a antiga escola primária. Hoje, menos de 50% estão nessas circunstâncias. A população com ensino secundário e pós secundário passou de 840 mil pessoas em 2008 para 1.448.000 em 2018, uma progressão de mais de 70% em menos de uma década. A taxa de abandono escolar precoce em Portugal baixou de 43,6% da população no ano 2000 para 11,8% em 2018. Nenhum, absolutamente nenhum outro país de UE ou de OCDE conseguiu uma tão espetacular progressão no abandono escolar. Portanto, estamos no bom caminho para deixar de ter “poucos estudos”. A fotografia continua feiosa mas o filme enche-me de alegria e é bem mais bonito que o espanhol, por exemplo.

Finalmente, a questão da produtividade. É inegável que a nossa produtividade é baixa. Mas tal não significa que trabalhemos pouco, como muitos julgam. Trabalhamos mais horas por semana que praticamente qualquer outro povo. Temos das taxas de empregabilidade mais altas da Europa, com quase 60% das pessoas a trabalhar e uma baixa taxa de desemprego. A nossa baixa produtividade tem a ver sobretudo com os baixíssimos investimentos das nossa empresas em automação e modernização das ferramentas de trabalho.

Para dar um exemplo tosco, quem trabalhe os campos com um burro e um arado produz menos que quem o faça com um trator, mesmo que este trabalhe metade do tempo. A crónica falta de investimento do país e das empresas é o verdadeiro responsável deste estado de coisas, não os nossos trabalhadores. Se assim não fosse, como se justifica que eles sejam os mais produtivos da Europa no Luxemburgo, onde representam quase 20% da força de trabalho, e os piores por cá? Uma simples viagem de avião e transformam-se magicamente nos melhores de todos. Portanto, acabemos de uma vez por todas com este mito instituído de que os portugueses são pouco produtivos.

Um trabalhador é ele próprio e as suas circunstâncias. E, por cá, elas realmente não são as melhores. Apontemos o dedo a quem não investe e prefere manter empresas de baixos salários. Menos empresários ricos com empresas pobres. Mais empresas ricas e empresários profissionais.

Portanto, quando interpretarmos os próximos dados do INE ou da Pordata, deixemos para trás o complexo de vira-lata e encorajemos o que de bom sabemos fazer. O título  deste artigo, e portanto da nossa boa imprensa, deveria ou poderia ter sido: “Portugal: Vivemos mais, estudamos mais e trabalhamos mais”.