No verão do ano passado, alguns meios nacionais escreviam que o consumo de antidepressivos em Portugal tinha duplicado na última década e que esse consumo se devia a diferentes fatores, alguns deles fora do nosso alcance de visão diário. Mais do que os sintomas – ansiedade, dificuldade em dormir, entre outros, foram as causas que me chamaram a atenção.
Os Portugueses estavam/estão a consumir mais destes medicamentos devido às desigualdades sociais existentes. E não é apenas pela pobreza – pois há países muito pobres em que não se verifica esta tendência, mas antes pelo fosso que se tem criado, com uma classe média esmagada e os pobres a lutarem, cada vez mais, pela sobrevivência. O endividamento é outro fator essencial a considerar nesta equação, pois massacra a saúde mental das pessoas.
Quem acompanha anúncios de emprego já se deparou com aquelas “ofertas irrecusáveis” onde as condições oferecidas são uma afronta e o reflexo de algumas das empresas que temos. Exige-se competências e experiência, mas oferece-se estágio. Quer-se profissionalismo e capacidades únicas e em troca recebe-se o salário mínimo ou pouco mais. Exploração, portanto.
Noutra faixa etária, aqueles a que chamo, em jeito de revolta, os velhos antecipados – pois ainda estão no auge, agarram-se ao que têm ou então procuram por uma oportunidade que já não lhes aparece, antes da reforma que, provavelmente, não trará nada de melhor.
Não é, por isso, novidade para ninguém que os salários em Portugal sejam baixos; que muitas empresas nacionais são pouco competitivas e com uma esperança média de vida curta. Também não é novidade que, mesmo nestas circunstâncias temos excelentes profissionais: uns que ficam por cá, corajosos, e outros, ainda mais corajosos, que emigram em busca de oportunidades (a sério).
Praticamente desde que nascemos que somos educados a acreditar que devemos estudar, investir na nossa formação e dedicar-nos de corpo e alma, pois o trabalho e um salário correspondente trazem melhores condições de vida.
Mas com o passar dos anos a convicção transforma-se em esperança, a esperança em utopia, até que finalmente alguns se deixam cair e resumem-se àquilo que lhes sobra e ajuda a pôr alguma coisa em cima da mesa (quando há mesa). Impostos elevados sobre empresas e pessoas, salários baixos e torna-se fácil fazerem-se as contas. Sobra pouco.
Esta (longa) contextualização serve para avivar as conclusões do estudo “Pobreza em Portugal – Trajetos e Quotidianos”, promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que foi divulgado esta semana e que muito me chocou. Primeiro, achei que os títulos das notícias estavam errados. Depois, caí na realidade e fiquei atónito.
Um quinto da população portuguesa é pobre? E destes “só” 13% não têm emprego? E desengane-se quem pensa que estamos a falar dos tradicionais precários. São trabalhadores com contratos sem termo, nas empresas há 10 ou até 20 anos. A dura e crua conclusão é que a maior parte das pessoas que trabalha em Portugal está em situação de pobreza!
Vale a pena ler este estudo porque nos muda completamente o conceito de trabalho precário. Será a maioria dos trabalhadores precários? A esta equação junta-se um outro cálculo complexo e duro e que está diretamente relacionado: a taxa de pobreza infantil. Famílias monoparentais ou com três ou mais filhos passam sérias dificuldades.
Pobres daqueles trabalhadores cuja pobreza é herdada. Parece que quem nasce pobre nunca terá hipóteses de singrar na vida, afastando-se desta fatalidade de perpetuar a pobreza. Cabe-nos a nós, nas nossas empresas, mudarmos a mentalidade, proporcionarmos condições aos nossos trabalhadores e contribuirmos também para a sua formação contínua, seja da pessoa que está ao balcão no café até ao diretor de uma empresa. Temos essa obrigação, pois só assim poderemos ter um país melhor e uma economia mais forte. É utópico, infelizmente. Eu sei. Mas vale a pena trabalharmos nisso, até porque com o impacto da pandemia haverá certamente mais pessoas a entrarem nestas contas certas da pobreza.
É interessante que este estudo saia umas semanas após a celebração dos 90 anos de um grande humanista e empresário, que criou uma empresa para os seus trabalhadores e para o país que devia ser replicada como modelo de excelência de norte a sul do território nacional. Em entrevista, Rui Nabeiro, da Delta, afirmava que é importante “não pensar só em si, mas pensar também nos outros: Não sou eu, somos nós.”