Na mensagem que dirigiu ao país a propósito do início do novo ano, o Presidente da República voltou a alertar para a premência da redução da pobreza, à semelhança do que havia ocorrido em ocasiões anteriores. Católico confesso, Marcelo Rebelo de Sousa deu eco às palavras do Papa Francisco que, em meados do mês de novembro, apelou aos cristãos para que não ignorassem quem enfrenta o flagelo da pobreza. Flagelo este cujo retrato nacional seria publicado alguns dias depois, aquando da divulgação dos resultados anuais do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento.

Os resultados do referido inquérito revelaram que, em 2023, cerca de 1 milhão e 761 mil residentes em Portugal auferiram rendimentos inferiores a 60% da mediana, no caso, 12.646 euros. Em termos relativos, estima-se que 16,6% da população estava em risco de pobreza, o que significa um decréscimo de 0,4 pontos percentuais face ao período homólogo. Ainda que tal percentagem continue a ser elevada, é possível observar uma aproximação ao valor respeitante a 2019 (16,2%), o mais baixo desde que o indicador em apreço começou a ser calculado, na década de 1990.

Implícita à aproximação mencionada encontra-se a reversão dos aumentos identificados em 2020 (para 18,4%), aquando da eclosão da pandemia e, em 2022 (para 17%), no qual a Rússia invadiu a Ucrânia, dando início a um conflito militar que espoletaria uma crise inflacionista. Não obstante a inexistência de dados atualizados em diversos Estados-Membros da União Europeia, nos últimos anos, os níveis de pobreza relativa constatados no nosso país têm estado em linha com a média comunitária, num patamar de que constam igualmente Malta e a Suécia.

A comparação com os seus congéneres é, todavia, desfavorável a Portugal, no que concerne à eficácia das prestações sociais enquanto instrumento de combate à pobreza. Caso não tivessem sido atribuídas em 2023, a percentagem da população em risco de pobreza ascenderia a 21,4%, representando quase mais 500 mil pessoas. Assim, pode-se considerar que as prestações sociais (exceto pensões) permitiram diminuir tal risco em 4,8 pontos percentuais, muito aquém do que habitualmente se verifica na Irlanda, Bélgica ou Dinamarca, onde as reduções tendem a superar os 12 pontos percentuais. Conforme realça o Prof. Carlos Farinha Rodrigues no estudo “Portugal Desigual” (2025), para além da menor eficácia, também o peso das prestações sociais no rendimento dos agregados domésticos é mais diminuto.

A interpretação destes resultados deve, porém, ser cautelosa, dadas as limitações metodológicas que lhes subjazem. Ao ter por base os alojamentos clássicos, a amostra não contempla pessoas em situação de sem-abrigo, um grupo cada vez mais expressivo, e dificilmente inclui imigrantes que estão há pouco tempo no país, cuja vulnerabilidade é significativa. Por conseguinte, importa aperfeiçoar os sistemas existentes, concebendo novos instrumentos se necessário, para melhor compreender as dificuldades que tais grupos enfrentam. No último ano do seu mandato, o Presidente da República gostaria, seguramente, de assistir a um decréscimo substancial do número de pessoas que sofrem com a privação material e a exclusão social.