A caminho do verão, altura do ano em que habitualmente tentamos reconquistar tempo para atividades mais criativas e expansivas, reparamos na difícil relação que, de forma geral e por diferentes motivos, temos com o tempo. Seja pela ansiedade de conhecer e dominar matérias próprias da nossa atividade profissional, por obrigações familiares, sociais ou económicas, a verdade é que não temos tempo para nada.
O tempo é uma percepção que não existe de um ponto de vista físico. É uma perspetiva, não uma verdade universal, que partilhamos entre nós como consequência da nossa biologia. É uma história que estamos a explicar permanentemente a nós próprios, que nos fascina porque toca as emoções mais profundas. E eu não gosto, neste momento, da história que me estou a explicar.
A tecnologia é um dos principais culpados desta situação. No plano pessoal, contrai tempo e espaço, acelera as nossas vidas e retira-nos meios para observar, refletir e interagir com o mundo físico. Às vezes penso que os jovens passam tanto tempo a olhar para os telemóveis porque o mundo que lhes estamos a deixar é capaz de não ser assim tão bom, sem crianças, sem dinheiro e sem tempo.
No plano profissional, a estrutura de controlo científico de Taylor reforçou a previsibilidade das nossas vidas através de remunerações estáveis e de mais tempo livre. Nos anos sessenta, os computadores serviram para automatizar processos que libertaram tempo para crescer profissionalmente e sofisticar a gestão, mas agora a descendência desses computadores parece estar a reclamar esse tempo de volta. Nessa base, a economia digital parece estar a recuperar a essência do taylorismo do início do século passado, descompondo as atividades em tarefas e leiloando-as nas plataformas digitais. Não interessam as pessoas, só as suas competências para tarefas pontuais. Trata-se de um ecossistema muito dinâmico, em que todos os tempos não produtivos são suportados pelo trabalhador.
Estamos na transição para um novo mundo em que, quem quiser adaptar-se, tem que investir tempo para entender, para investigar, para desenvolver novas competências. Mas, paradoxalmente, as ferramentas digitais são ao mesmo tempo elemento de distração, alavanca de mudança económico-social e ferramenta de investigação. Nunca na história uma tecnologia, como a Internet e os seus derivados, serviu em simultâneo para transformar a forma em que comunicamos, interagimos e trabalhamos.
A sociedade no conjunto adoece de pobreza de tempo. Embora sempre tenha sido um fator de preocupação dada a efemeridade das nossas vidas, trata-se hoje de uma doença crónica para uma parte importante da sociedade, que está cada vez mais polarizada entre os desbordados pela falta de tempo e os desencaixados, que não sabem como o ocupar.
O tempo, para muitos de nós, não é ouro, é vida. É o material com que se fazem as nossas vidas e é, por isso, impagável.