De nada vale esconder a verdade: Portugal é, no contexto europeu, um país pobre. Sofremos as consequências directas de políticas que nos últimos 20 anos nos conduziram a um empobrecimento sucessivo.

O relatório 2020 do Observatório Nacional de Luta contra a Pobreza aponta que em 2019 a taxa de risco de pobreza ou exclusão social de 21,6%. Mais de dois milhões de portugueses, mais de 330 mil crianças estavam em 2019 em risco de pobreza monetária, em situação de desemprego ou viviam em privação material severa. A actual crise pandémica apenas veio mostrar as fragilidades da nossa sociedade e as terríveis desigualdades que são sistémicas nas nossas comunidades. Mas, aparentemente, nada queremos fazer para mudar esta realidade.

A pobreza e as desigualdades não se resolvem por decreto. Não é o Estado que vai magicamente distribuir a riqueza que não existe de forma justa e proporcional com base nas necessidades. De facto, enquanto liberal acredito que apenas com uma sociedade civil robusta, uma classe média forte e iniciativa privada com capital financeiro próprio é possível promover o desenvolvimento e reduzir as desigualdades.

Precisamos de encontrar forças na sociedade civil para identificar a raiz dos problemas e tudo fazer a título pessoal e junto dos decisores políticos para que estes problemas sejam resolvidos de forma estrutural. Isso exige estudo, trabalho, investimento e uma estratégia de apoio continuado de médio/longo prazo com análise constante dos resultados e exigência de compromissos da parte de todos os envolvidos. Essa é a forma liberal de combater as desigualdades: política consciente!

Vejamos dois exemplos da nossa realidade local. No passado mês de Janeiro, tive a oportunidade de ouvir representantes da Comunidade Juvenil Francisco de Assis numa conversa com o então candidato à presidência da república Tiago Mayan Gonçalves. Fiquei a conhecer um pouco sobre a realidade desta instituição particular de solidariedade social. Foi com alegria que ouvi falar dos casos de sucesso, mas também com enorme tristeza e sentimento de impotência que compreendi que não é possível à instituição dar às crianças tudo aquilo de que precisam – e é tanto.

O esforço de funcionários e voluntários, mesmo quando é enorme e complementado com donativos da comunidade, não chega para compensar o curto financiamento oferecido pela Segurança Social. No mesmo dia escutei na primeira pessoa a realidade da CASA (Centro de Apoio ao Sem Abrigo) e confirmei que há um extraordinário trabalho a ser desenvolvido em Coimbra de forma quase invisível para a comunidade na ajuda a quem verdadeiramente vive nas margens mais esquecidas da sociedade.

Aos problemas comuns de ausência de saúde mental, alcoolismo ou fragilidade financeira, juntam-se o crescente impacto de novos pobres que tudo perderam com o fecho das pequenas actividades económicas nas quais ganhavam o seu sustento, colocando uma enorme pressão sobre os heróis discretos que localmente salvam vidas e trabalham para a construção de soluções de médio prazo.

Se somos chamados a reflectir hoje sobre justiça social e equidade, como podemos aceitar impassíveis esta realidade? Como foi possível para cada um de nós normalizar a pobreza endémica ou a existência de fome na nossa comunidade? Não podemos aceitar que a falta de meios, financeiros, técnicos ou humanos, ou que a teia burocrática sejam desculpa para dar a quem de nós precisa menos do que aquilo a que têm direito. As circunstâncias da vida já privaram essas pessoas de tanto. Onde está a justiça social que tanto queremos? Ela tem de partir das nossas decisões e acções!

Comecemos por não ignorar a realidade. Portugal é, repito, um país pobre. Precisamos de criar empatia com quem se encontra numa situação de fragilidade. Temos de ser a voz, junto dos decisores políticos locais e nacionais, de quem não tem voz. Exigir uma empatia comprometida para que ninguém fique indiferente enquanto existir uma pessoa com privações na nossa comunidade. Precisamos de compreender que não existem fórmulas mágicas para alcançar justiça social, que apenas respeitando a individualidade de cada caso concreto será possível trabalhar juntos, construir oportunidades e promover a mudança que tanto ambicionamos.

No dia 20 de Fevereiro assinalou-se o Dia Mundial da Justiça Social, e nesse âmbito, agradeço publicamente a tantos que já muito tem feito. Mas quero apelar a todos a uma mobilização cívica para que tentemos ajudar a criar respostas eficazes para quem precisa de nós, já que o Estado se mostra incapaz de o fazer eficazmente.

Construir um mundo mais justo é responsabilidade de todos nós. É fundamental manter este tema na agenda, como tem feito a Iniciativa Liberal, para se mobilizar em torno destas causas e para contribuir para a criação de soluções estruturais com base em políticas conscientes. Políticas liberais que funcionam, a longo prazo, em diversos países europeus. Porque a pobreza e as desigualdades não se resolvem por decreto.