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Pobreza energética afeta mais de 1,1 milhões de pessoas em Portugal

A qualidade de construção das casas em Portugal é “bastante má”: “Estamos dentro dos edifícios e temos mais frio do que estando na rua”, realça João Gomes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Janelas Eficientes, ao JE.
14 Abril 2025, 07h00

A pobreza energética é um problema que afeta cada vez mais pessoas. Em Portugal, estima-se que entre 1,1 e 2,3 milhões de pessoas vivam em pobreza energética moderada e que entre 660 e 680 mil já estejam em pobreza energética extrema.

Mas o que é a pobreza energética? Segundo João Gomes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Janelas Eficientes (ANFAJE), este é um conceito que tem vindo a ser desenvolvido nos últimos anos e que consiste na “capacidade das pessoas de manter o conforto nas suas habitações, quer seja no inverno ou no verão”.

Dos 27 estados-membros, Portugal foi o que registou a percentagem mais elevada de pobreza em 2023, com 20,8%. “Portugal é o país da União Europeia onde ainda se morre de perigo dentro de casa, com as pessoas a acenderem braseiras e a morrerem intoxicadas”, salienta João Gomes.

Isto acontece devido à qualidade de construção “bastante má” da grande maioria das infraestruturas habitacionais em Portugal. “Estamos dentro dos edifícios e temos mais frio do que estando na rua. Isso acarreta imensos problemas, não só de conforto, mas também de saúde”, refere o presidente da ANFAJE.

Esta falta de isolamento leva, na opinião de João Ferreira Gomes, a uma “sobrecarga do Sistema Nacional de Saúde (SNS)”, pois resulta no “agravamento, sobretudo das doenças respiratórias e cardiovasculares, que estão associadas à questão do frio”.

Mas por que é que, quando comparado com a restante Europa, há uma discrepância tão grande na pobreza energética? Segundo o presidente da ANFAJE, tal deve-se ao facto de que a construção na restante Europa é de melhor qualidade, “a construção sempre teve requisitos muito mais exigentes no que diz respeito ao isolamento térmico das paredes e janelas”, e porque na Europa central a grande maioria das casas “têm aquecimento central ligado a centrais de aquecimento de bairro, algo impensável de fazer em Portugal”.

“O que acontece em Portugal é que estamos dependentes dos aquecedores. A questão é que ligamos o aquecedor na sala, até esta ficar a uma temperatura confortável, mas não conseguimos aquecer toda a casa, porque está mal construída e o calor sai pelas janelas, portas e frinchas”, declara João Ferreira Gomes.

Segundo o presidente da ANFAJE, a pobreza energética não afeta apenas famílias com poucas condições económicas; também impacta famílias com recursos económicos que podem fazer obras e investir em aquecer as suas casas. Isto ocorre porque “não temos culturalmente esse hábito, pois estamos habituados a edifícios de má qualidade”.

A má qualidade de construção remonta aos anos anteriores a 1990, ano em que começou a ser aplicada legislação para o conforto térmico nas habitações. Portanto, podemos dizer que as construções novas já não carecem tanto desta pobreza, uma vez que têm de cumprir com a legislação. Contudo, João Ferreira Gomes refere que, apesar das diretivas europeias que foram saindo sobre esta matéria, “as exigências no centro da Europa têm sido mais rigorosas do que em Portugal. Espanha está mais adiantada do que Portugal”.

A nova legislação neste setor é muitas vezes vista pelas indústrias de construção civil como um fator para encarecer as habitações; no entanto, “não tem nada a ver, porque a lei do mercado funciona aqui muito bem”, afirma. Os materiais de construção, por norma, já são produzidos na Europa, ou seja, já cumprem todos os requisitos necessários. “Portanto, quando são aplicados em Portugal, eles não são mais caros, apenas fazem com que os construtores construam de acordo com uma legislação mais exigente”.

“Construir com melhor qualidade não tem nenhum custo associado; o IVA de construção e os custos de contexto são fatores que não têm nada a ver com a mão de obra ou materiais”, sublinha João Ferreira Gomes.

Contudo, apesar das normas e da legislação, em Portugal registou-se uma queda de quase 90% na construção de habitação desde o início do século. O que leva a que a maioria das pessoas ainda habite numa casa antiga.

Já existem vários estudos que mostram que as habitações em Portugal deveriam estar melhor isoladas, com cerca de 3,5 milhões de fogos habitacionais a precisarem de obras profundas na área da eficiência energética. “Têm de haver medidas públicas que sinalizem que isto é importante”, afirma o presidente da ANFAJE.

Perante esta realidade, existe uma procura por programas públicos para a melhoria do conforto térmico das habitações. “Estes programas têm tido um sucesso brutal; tanto sucesso que as análises das candidaturas estão atrasadíssimas”, refere.

“A vontade dos portugueses para estas candidaturas é brutal, porque sentem na pele o frio de estarem dentro de casa, ou então sentem na carteira, quando não estão em pobreza familiar, ligando os seus aquecedores ou ar condicionados para aquecerem ou arrefecerem as suas habitações”, sublinha.

João Ferreira Gomes refere que o Governo tem “recursos financeiros suficientes, provenientes de fundos europeus, para podermos ter uma ambição séria no combate a este tipo de situação. Temos em Portugal habitações sem quaisquer condições de conforto e essas verbas deveriam ser destinadas a medidas públicas que venham na sequência do programa de edifícios mais sustentáveis”.

O Governo vai lançar um programa que ajuda à subsidiação da compra de novos eletrodomésticos mais eficientes, com o objetivo de ajudar as famílias com rendimentos mais baixos. Na opinião do presidente da ANFAJE, esta medida “não faz qualquer sentido aplicar fundos públicos neste caso. Por exemplo, a compra de um ar condicionado não faz sentido, uma vez que as casas deixam passar o frio e o calor. Temos de começar por isolar as casas e depois, se for necessário, apoiar a compra de ar condicionados”.

João Ferreira Gomes julga que esta medida “não vai no sentido daquilo que é a política europeia da descarbonização dos edifícios e do melhoramento da eficiência energética”.

Em Portugal, o conceito de eficiência energética ainda é “abstrato”, porque na maioria das vezes nos “habituamos” às situações em que nos encontramos. O nosso país está na cauda da Europa nestas matérias, sendo que “na questão da eficiência energética e da melhoria do conforto nos edifícios está tudo por fazer. Esperamos que o Governo tenha ambição suficiente para abraçar este desígnio com alguma força, porque não pode dizer que é por falta de verbas”, declara.

O presidente da ANFAJE deixa algumas medidas que podem ser aplicadas no sentido de melhorar e incentivar as pessoas, nomeadamente o IVA reduzido, valores a fundo perdido e benefícios fiscais em sede de IRS para quem investe na melhoria das suas habitações.

“Era fundamental que Portugal fosse ambicioso nesta área. Estamos à espera que o Governo seja ambicioso agora com a criação da Agência para o Clima, que tem uma verba disponível de 1,2 biliões de euros, e que pode abranger também estas áreas”, conclui João Ferreira Gomes.

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