Montenegro chegou, finalmente, perto do poder que tanto ambiciona. Defrontou-se internamente de forma feroz contra Rui Rio, porque acreditava fazer melhor. Rio foi a eleições legislativas tendo não só uma parte do PSD, pública e agressivamente, contra si, como também, todo um establishment da esquerda à direita.

Rio foi a votos sem coligação, num momento em que, apesar de tudo, o governo socialista ainda gozava de algum capital de confiança em muito eleitorado. Nestas circunstâncias, o PSD obteve 27,67% dos votos e 72 deputados. Um falhanço rotundo, gritaram em uníssono, sobretudo à luz de uma maioria absoluta do PS.

Fast-forward para Março de 2024, e após dois anos de uma maioria socialista em que se somaram os casos de alegados tráficos de influência e corrupção, 14 ministros ou secretários de Estado demitidos, serviços públicos em absoluto caos e uma degradação geral das instituições, o PSD de Montenegro, em coligação, consegue a proeza de 29,5% dos votos e 79 deputados.

Ou seja, com um PS mais fragilizado do que nunca, apoio inequívoco dentro do PSD (ou pelo menos sem sabotagem), em coligação, e com uma comunicação social muito mais favorável, Montenegro consegue mais 1,83% dos votos e mais sete deputados. Mas não só. Ainda beneficiou de uma aparição de Rui Rio, que demonstrou, mais uma vez, que não só coloca Portugal à frente do partido, como o partido à frente do seu próprio orgulho.

A propósito, lembro-me bem de Rio ter repetido à exaustão que o regime precisava de se reinventar e de ter propostas nesse sentido. Caiu-lhe o regime em cima. Hoje, o regime lamenta hipocritamente o resultado do Chega e ouvem-se vozes que até pedem que PS e PSD se entendam.

O PSD vai assim formar governo com um líder que, com melhores condições do que o seu antecessor, conseguiu um resultado igual, senão pior, do que o obtido em 2022.

É este líder, que não consegue navegar em águas mais favoráveis, que é suposto levar o barco em águas que prometem ser tempestuosas, com múltiplas fracturas e pressões? Isto com uma conjuntura internacional que pode mudar a qualquer momento, e em que o avanço do Chega decorre da falta de carácter do Partido Socialista e da falta de liderança e coesão no PSD.

Montenegro não afirmou o PSD como uma alternativa ao PS. Não admira. Montenegro é uma correia de transmissão dos interesses instalados no partido e fora dele. Assim fica difícil liderar a mudança.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.