A partir de junho, os turistas deverão começar a ter maiores possibilidades de viajar dentro do espaço da União Europeia, desde que tenham sido já vacinados ou testado negativo à Covid-19. Este será um ciclo de grande relevância, sobretudo para as economias do Sul da Europa como Grécia, Espanha e sobretudo Portugal, onde esta atividade não só tem um peso relevante na economia (contribui para 17% do PIB) e no emprego (influencia cerca de 20% do mercado de emprego), como também a criação de valor está muito dependente dos visitantes que chegam dos canais internacionais (representam cerca de 70% das dormidas de hotel).
A oportunidade para o nosso país reabrir portas ao turismo com sucesso ganhou mais visibilidade após o Reino Unido ter incluído Portugal na lista de países seguros para viajar, sendo, aliás, o único país da União Europeia (UE) que mereceu essa inclusão. Muito está por isso em jogo nas próximas semanas, que podem ser decisivas para inverter o recessivo desempenho económico português (-3,3%), o pior da UE nos primeiros três meses do ano.
Um inverno duro e rigoroso, onde Portugal registou as piores leituras de Covid do mundo
Portugal passou um período de enormes dificuldades na sequência de uma época natalícia com poucas restrições, o que, em combinação com novas estirpes (sobretudo a variante inglesa), resultou num aumento exponencial de infeções, o que transformou no país com mais casos novos e mortes diárias por mil habitantes no mundo durante as últimas semanas de janeiro.
Salvar o Natal teve custos muito elevados a nível humano, e as autoridades foram forçadas a impor medidas de confinamento duras no final de janeiro, com restrições que acentuaram a já debilitada situação da economia lusa. A braços com uma economia interna paralisada, e com fraca capacidade de resposta orçamental por parte do Estado – uma das respostas económicas mais baixas da União, de acordo com o Banco Central Europeu – as atenções têm estado centradas em recuperar o tempo necessário para salvar o verão, essencial para contrariar a espiral recessiva registada durante os primeiros meses do ano.
O contrarrelógio para salvar o verão – o que está em jogo?
Recuperar o sector do turismo é um objetivo de grande relevância para os países do Sul da Europa, mas sobretudo para Portugal, que necessita urgentemente de contrariar a espiral recessiva provocada por:
- Prolongado período de confinamento e restrições duras para a atividade económica;
- Elevada dependência da criação de riqueza e do emprego do sector;
- Frágil capacidade de estímulos e de resposta proveniente do orçamento de Estado.
Aos impactes diretos da reabertura do país ao turismo internacional somam-se ainda os efeitos de contágio para o consumo privado e de confiança que incentivem e antecipem as intenções de investimento, que podem moldar a segunda metade do ano e colocar a economia nacional no trilho do crescimento. Mas existem desafios e riscos que não podem ser ignorados.
Desde logo, importa perceber que para Portugal a evolução do processo de vacinação nos países do Norte da Europa (sobretudo Alemanha e Reino Unido) é de extrema importância, uma vez que são o principal mercado emissor, a par de Espanha. De acordo com World Travel and Tourism Council, os canais internacionais do turismo são responsáveis por 66% das despesas de consumo dentro do sector, e de cerca de 70% do total das dormidas em operadores hoteleiros em Portugal.
Dentro destes, e olhando por países, Espanha foi o principal mercado emissor de turistas em 2019 (14%) e sobretudo em 2020 (19%), mas os países do Centro e Norte da Europa, como o Reino Unido (13%), Alemanha (11%) e França (9%), são de crucial importância para impulsionar tanto o setor, como para contagiar os debilitados sectores do pequeno comércio e restauração, dado o significativo poder de compra e hábitos de consumo dos turistas provenientes destes mercados.
Neste sentido, os processos de vacinação nestes países importam, uma vez que quanto maior for esta proporção nas próximas semanas, maior segurança haverá nestes países para marcar viagens durante a época de verão. Por outro lado, o processo de controlo do vírus e imunização em Portugal tem também enorme importância, na medida em que constitui fator crucial de exclusão como destino de férias, sobretudo de países como o Reino Unido, que terão listas de destinos considerados seguros, com atualização regular.
O que podemos esperar?
As expectativas neste momento são animadoras. De acordo com a Our World in Data, o processo de vacinação nos principais países está a avançar a bom ritmo. O Reino Unido tem já 56% da população com uma dose da vacina tomada, enquanto a Alemanha apresenta 40,3% da população nas mesmas condições. Espanha (36%) e França (34,2%) prosseguem com taxas menos robustas, mas poderão ganhar ímpeto durante as próximas semanas. Já Portugal tem vindo também a acelerar o passo, depois de problemas vários em fevereiro, e atinge neste momento os 35% de população com pelo menos uma toma de vacina.
Pode ser por isso de esperar, ao ritmo atual, que quer Portugal quer os países que constituem o grosso da procura turística nacional tenham taxas de vacinação acima dos 50% dentro das próximas quatro semanas, quando a época balnear arrancar em força – com o Reino Unido em destaque. Isto porque, para além de ser o país com maior percentagem de população vacinada de entre os que são relevantes para o turismo nacional, também Portugal é o único país da União Europeia que neste momento faz parte da lista de destinos seguros do Reino Unido. O que confere uma relevante vantagem sobre países como Espanha ou Grécia, que também são tradicionalmente destinos relevantes para os britânicos – e por isso concorrentes do turismo nacional.
Adicionalmente, os períodos de confinamento também trouxeram um efeito de poupança forçada, que em turistas provenientes de países como Alemanha, França e Inglaterra – países com poder de compra significativo relativamente a Portugal – podem representar um potencial de criação de valor adicional para consumo, aumentando o impacte indireto sobre os países de destino. As expectativas, ainda assim, têm vindo a ser cautelosas.
Um relatório da consultora McKinsey salienta que as economias não deverão, apesar da melhoria das condições, registar mais de 60% do volume das transações de 2019. Também o banco de investimento HSBC aponta como expectativa para o Sul da Europa, um fluxo de turistas equivalente a 50%-60% do valor de 2019, ainda assim melhor que em 2020, ano em que este valor rondou o intervalo de 60%-75% da referência pré-pandemia. Isto significaria, em teoria e tendo estas projeções em consideração, que a recuperação do turismo pode representar um contributo entre 1,2% a 3,1% para o PIB português, consoante o sucesso da época de verão face ao valor de 2019.
‘Bottoms up’: árdua conjugação de equilíbrios para Portugal
É incontornável para Portugal que salvar o verão é crucial para conter a espiral recessiva em que entrámos no primeiro trimestre do ano, e decisivo para estimular o sentimento do consumo e investimento no nosso país na segunda metade do ano, após o verão – que é também quando é expectável que algumas das ajudas europeias comecem a ganhar visibilidade.
A tarefa exigirá uma conjugação de equilíbrios que envolvem um rápido processo de vacinação nas próximas três a quatro semanas, não apenas em Portugal, mas também nos principais países que nos procuram como destino turístico. Depois, há a questão da concorrência, em que Portugal parte à cabeça em vantagem – é o único país da União Europeia a integrar a lista de países seguros do Reino Unido, um importante mercado –, mas países exteriores à UE, como a Turquia, poderão constituir alternativas relevantes a considerar.
A logística local de apoio a todas as exigências sanitárias também é de grande importância, uma vez que a quebra da atividade em 2020 forçou os operadores a reduzir drasticamente a sua estrutura, e uma subida abrupta do fluxo de turistas pode fazer colapsar as estruturas de suporte nos hotéis e também nos aeroportos.
Lidar com estes equilíbrios com sucesso pode ser a chave para inverter a complexa situação recessiva decorrente da reabertura de Natal, que deixou feridas profundas na economia e, sobretudo, no emprego. O verão pode, assim, ajudar a cicatrizar estas feridas e a construir a confiança para o novo ciclo de recuperação.