“A corrupção é proibida, mas pode-se fazer. Mas é proibida. Mas pode-se fazer. Só que é proibida. O que é que acontece a quem a faz? Nada. É proibida. Mas pode-se fazer. Só que é proibida.”

Esta paródia, inspirada no famoso sketch dos Gato Fedorento sobre Marcelo Rebelo de Sousa e a despenalização do aborto, poderia facilmente aplicar-se ao atual cenário político português. O caso Tutti Frutti desvendou um labirinto de corrupção tão intrincado e perverso que faz a mais mordaz das sátiras parecer uma anedota infantil em face da realidade.

O caso Tutti Frutti: uma teia de corrupção

O Ministério Público acusou dezenas de pessoas, incluindo autarcas, funcionários e empresários, de crimes que vão desde corrupção a prevaricação, abuso de poder e tráfico de influências.

Este megaprocesso, que investiga alegados favorecimentos a militantes do PS e PSD através de avenças e contratos públicos, revela um sistema profundamente enraizado de troca de favores e manutenção do status quo autárquico na zona de Lisboa.

O caso é tão extenso e complexo que parece saído de um guião de um filme de conspiração. Envolve figuras proeminentes de vários partidos, incluindo deputados e ex-autarcas.

O mais preocupante são as alegações de acordos secretos entre partidos para manipular resultados eleitorais, o que, se vier a ser comprovado, representaria uma grave violação dos princípios democráticos.

Além do Tutti Frutti: uma crise ética

Mas o Tutti Frutti não é um caso isolado. Recentemente, outros partidos têm enfrentado desafios éticos que colocam em causa a integridade das suas instituições.

Um partido que se apresenta como uma alternativa “antissistema” tem sido abalado por uma série de incidentes envolvendo os seus membros, incluindo acusações de furto, condução sob efeito de álcool e até mesmo crimes sexuais.

Estes casos expõem não apenas falhas éticas individuais, mas também levantam questões sobre a coerência entre o discurso público do partido e as ações dos seus membros. Nem a esquerda escapa a esta crise ética.

Um partido conhecido por defender os direitos dos trabalhadores foi recentemente criticado pelas suas práticas de gestão de recursos humanos, levantando questões sobre a aplicação interna dos valores que defende publicamente.

O caso Hernâni Dias: conflito de interesses no Governo

O recente escândalo envolvendo o ex-secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Hernâni Dias, adiciona mais um capítulo a este cenário de crise ética institucional.

Hernâni Dias criou duas empresas imobiliárias que poderiam beneficiar da nova lei dos solos, enquanto era responsável por essa mesma legislação no Ministério da Coesão Territorial. Além disso, Dias está sob investigação da Procuradoria Europeia por suspeitas de prevaricação, fraude na obtenção de subsídio e corrupção passiva, relacionadas com a sua atuação como presidente da Câmara Municipal de Bragança.

Uma auditoria do Laboratório Nacional de Engenharia Civil encontrou faturas de trabalhos não realizados no valor de quase 808 mil euros na empreitada de ampliação da Zona Industrial de Bragança.

Há ainda suspeitas de que o filho de Hernâni Dias tenha residido num apartamento no Porto pertencente à família de um sócio da empresa que realizou obras em Bragança, levantando questões sobre possíveis contrapartidas. Este caso resultou na demissão de Hernâni Dias, tornando-o na primeira baixa do governo de Luís Montenegro.

Mais do que um incidente isolado, este episódio ilustra como os conflitos de interesse podem permear até mesmo os mais altos níveis do governo, desafiando a integridade das instituições democráticas.

As consequências para a Democracia

Estes escândalos, que atravessam todo o espectro político, desde o “bloco central” até aos partidos que se apresentam como alternativas, revelam desafios significativos na ética institucional portuguesa.

A frequência e a natureza destes casos ameaçam minar a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas e no próprio sistema político. A situação é tão grave que parece dar razão à sátira dos Gato Fedorento.

A corrupção, os favores, os esquemas – tudo isto é proibido, mas parece que se pode fazer. É proibido, mas as consequências são muitas vezes percecionadas como insuficientes em comparação com os benefícios obtidos.

A necessidade de mudança

Esta crise de ética não é apenas um problema de indivíduos, mas sim um sintoma de um sistema que permite e, por vezes, até parece incentivar tais comportamentos.

A falta de mecanismos eficazes de fiscalização, a morosidade da justiça e a perceção de impunidade criam um ambiente propício para a proliferação destes comportamentos antiéticos. Para reverter esta situação, é necessária uma mudança profunda na cultura política e institucional portuguesa.

É preciso implementar e fortalecer mecanismos de controlo e transparência, promover uma cultura de ética e integridade dentro das instituições e garantir que as violações éticas sejam tratadas de forma rápida e eficaz.

O papel dos partidos e dos cidadãos

É fundamental que os partidos políticos assumam uma posição inequívoca na condenação de membros que tenham atitudes antiéticas. Não basta apenas distanciar-se publicamente; é necessário tomar medidas concretas para prevenir e punir comportamentos inadequados dentro das suas fileiras. Esta postura firme é essencial para restaurar a confiança do público e demonstrar um compromisso genuíno com a integridade política.

É igualmente fundamental que os cidadãos exijam mais dos seus representantes e instituições. A tolerância com a corrupção e a falta de ética deve ser substituída por uma exigência activa por integridade e transparência.

A ética nas instituições não é um luxo ou uma opção – é uma necessidade fundamental para o funcionamento saudável de uma democracia. Sem ela, corremos o risco de ver as nossas instituições cada vez mais descredibilizadas, abrindo espaço para o populismo e o extremismo.

É hora de levar a sério a ética institucional, de transformar o “é proibido, mas pode-se fazer” num inequívoco “é proibido e não se faz”. Só assim poderemos restaurar a confiança nas nossas instituições e garantir o futuro da nossa democracia.