A manifestação das forças de segurança foi a oportunidade para a convergência dos “amigos da polícia” com o elogio dos “movimentos inorgânicos” e o ódio aos sindicatos, com muita reaccionarice e anticomunismo à mistura.

Longos comentários e debates, muita letra e treta, para ocultar, iludir, mascarar três questões essenciais.

– A responsabilidade da política de direita pelos persistentes e graves problemas profissionais que atingem a generalidade das forças de segurança. Muitas legislaturas e governos são passados sem qualquer avanço na sua resolução. Responsabilidades dos advogados das “contas certas”. Dos fundamentalistas do Pacto Orçamental e imposições comunitárias. Dos combatentes pelo Estado mínimo, com azia aos funcionários públicos, à despesa pública, à carga fiscal, julgados sempre em demasia. Dos velhos e novos neoliberalismos.

– A escusa em pôr os nomes aos bois, metendo como autores e patrocinadores daquela política todos os partidos, sob eufemísticas designações, como “Estado” (mais uma falha!), “poder político”, “forças partidárias tradicionais” e outras mistelas. “Os partidos tradicionais permanecem acantonados, bloqueados, e sem saber como reagir face a estes movimentos inorgânicos e às respostas populistas que se lhe colam”(1). E nessa indiferenciação, nesse anonimato, igualam as responsabilidades do “arco da governação”, PS, PSD e CDS, com o PCP e outros que, insistentemente, denunciaram os problemas e fizeram propostas para a sua resolução.

– A magnífica manifestação e concentração de milhares de profissionais das forças de segurança, transformada num epifenómeno de um grupo provocador e de um deputado de extrema-direita. Houve captura e instrumentalização política por essa gente? Sim, com grande ajuda mediática. Sim, é perigoso. Mas tal não pode obnubilar a luta e a manifestação realizada e o papel das suas organizações profissionais que, aliás, criticaram a sanguessuga oportunista. Tal não pode eliminar o património de luta passada, inclusive a dura luta pela legalização das suas estruturas e actividades sindicais. Tal não pode apagar as manifestações e concentrações passadas.

O que aconteceu só foi possível pelo caminho, aberto depois do 25 de Abril, de organização, unidade e luta, e sacrifício de muitos activistas – não esquecer o Comissário da PSP desterrado para Bragança por Cavaco Silva! E foi possível, apesar da reiterada oposição dos governos do PS, PSD e CDS ao reconhecimento dos seus direitos associativos.

Contrariamente a comentários tendenciosos, ou simplesmente ignorantes, o que aconteceu no dia 21 de Novembro não foi o resultado do dito Movimento Zero, que apenas tentou parasitá-lo, mas de um longo e persistente trabalho associativo. Não é possível escrever, no desvirtuamento e desvalorização do que aconteceu, estabelecendo com critério para avaliar a iniciativa, o haver ou não “confronto nas escadarias de São Bento, como noutras ocasiões”(1). Mas era isso que as organizações que convocaram o protesto pretendiam?

A continuação da luta até à satisfação das suas justas reclamações, vai clarificar e eliminar o ruído e o nevoeiro que a instrumentalização reacionária tentou semear. A PSP, a GNR, e outras forças de segurança, o País, precisam de profissionais com condições de trabalho e de vida dignificadas.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

(1) Editorial do Expresso, 23NOV19