Desde a aplicação da política monetária não convencional, uma questão inquieta regularmente os economistas mais ortodoxos: estará na hora de retirar os estímulos introduzidos pelos bancos centrais?

Uma preocupação recorrente é se a excessiva criação monetária conduzirá a uma eventual escalada da inflação. Nesta linha, e num contexto de políticas orçamentais agressivas, os EUA anunciaram muito recentemente duas subidas das taxas de juro para 2023. Quase em paralelo, o BCE reviu o objetivo para a taxa de inflação, introduzindo simetria nas suas intervenções da política monetária, indicando que uma taxa de inflação baixa é tão alarmante como uma taxa de inflação alta.

De tão subtil, esta alteração parece remeter-se a uma questão de semântica, mas contém importantes implicações do ponto de vista operacional. Por um lado, indica que o BCE não vai subir a taxa de juro diretora ao menor sinal de recuperação económica da zona euro, e que, portanto, persistirá nas suas políticas monetárias acomodatícias num provável cenário em que os planos de recuperação e resiliência provoquem desequilíbrios orçamentais e consequente acumulação de dívida. Por outro lado, vai no encalce do banco central americano, que já havia introduzido a questão da simetria na condução da política monetária.

Lagarde sinaliza o longo caminho a percorrer para vencer uma crise que se prolonga há mais de uma década. A incerteza não se dissipou, quer quanto à evolução das economias após a crise Covid-19, quer quanto ao arranque dos planos de recuperação e resiliência, seu impacto no crescimento económico e sua resistência pela ortodoxia económica, por receio dos hipotéticos impactos na inflação e na dívida pública.

As boas notícias são que Lagarde não está isolada. Um artigo publicado este mês no VoxEu, volta a defender como solução para a armadilha deflacionista europeia o recurso a criação monetária através de transferências diretas para as famílias, o chamado helicopter money (Martin et al., 2021), numa clara aproximação à intervenção orçamental em vigor do outro lado do Atlântico. Há não muitos anos, qualquer um destes instrumentos seria vedado por poder conduzir à escalada da inflação.  Gradualmente e, desejavelmente, sem recuo, desponta finalmente na Europa a ideia de que, se algum dia for recuperada, a inflação será o pequeno preço a pagar pela retoma.

Avaliando a cronologia da discussão e conceção dos planos de recuperação e resiliência, é possível antever que a passagem do papel à ação de quaisquer novas medidas monetárias requeira tempo vital que não se pode desperdiçar. Lagarde que sabe que, no atual contexto, a única saída viável consiste em adotar políticas económicas de estímulo à procura agregada, deixou o recado: avancem com os planos orçamentais, o BCE cá estará para acomodar, como vem sendo hábito.