É como se a geopolítica mundial estivesse servindo um churrasco – e todos os convidados trouxessem a sua faca afiada. Lula, ao lado do primeiro-ministro japonês Fumio Kishida, propôs um acordo comercial entre o Mercosul e o Japão. Nada mais estratégico: o Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, o Japão é o terceiro maior importador e não compra uma única picanha brasileira. E os Estados Unidos, com Donald Trump no retrovisor (ou no para-choque dianteiro da História), voltam a usar tarifas como arma diplomática e ideológica.
Trump, assim que chegou ao poder, transformou as tarifas, também sobre produtos agrícolas – como a carne brasileira – em uma ferramenta de pressão, contra parceiros e competidores, e os japoneses sabem disso.
Em 2019, sob pressão americana, Tóquio assinou com Washington um acordo que reduzia tarifas para produtos agrícolas dos EUA. Agora, ao ensaiar um tratado com o Mercosul, o Japão pisca o olho ao Brasil e sinaliza querer equilíbrio – ou, pelo menos, pluralidade de fornecedores. Com isso, o Brasil entra numa delicada dança: tenta diversificar mercados, mas sem romper com Washington, que é um dos seus principais clientes.
O Brasil já é o quarto maior exportador global – e a carne é um dos seus principais ativos. Mas os entraves tarifários e sanitários sempre foram os muros que separam o produtor do consumidor. O Japão, exigente como é, já compra carne brasileira, mas ainda com limitações técnicas, fazendo filet mignon virar hambúrguer.
Um acordo comercial poderia padronizar protocolos, derrubar barreiras e abrir espaço para uma aliança estratégica entre agro e diplomacia.
Mas há mais no prato: os Estados Unidos da nova era Trump entraram num tarifaço global, adotando como nunca visto posturas protecionistas agressivas que atingem tudo, todos, incluindo picanhas, maminhas e fraldinhas. E, nesse cenário, a aproximação Brasil-Japão pode ser vista como um gesto de autonomia e afirmação de uma política externa multilateralista.
O problema é que, no banquete da economia global, ninguém gosta de ser apenas convidado – todos querem controlar o cardápio. A China, por exemplo, já se senta à mesa com apetite voraz e olha para o prato brasileiro com gula estratégica.
O Japão, tradicionalmente cauteloso, agora parece disposto a experimentar novos cortes, desde que bem embalados, com selo sanitário e previsibilidade política. O Brasil precisa aproveitar esse raro momento em que o apetite do mundo se alinha à sua vocação natural: produzir, negociar e saber, enfim, assar a carne no ponto certo das relações internacionais.