Antes da crise financeira de 2007-2009, a teoria económica dominante – neoclássica – vivia dias felizes. Ignorante das suas principais limitações, a arrogância e o tom triunfalista eram bem visíveis. Robert Lucas, um dos seus “pais”, dizia, em 2003, que o problema central da macroeconomia – impedir recessões – estava resolvido. Ben Bernanke, em 2002, dirigindo-se a Milton Friedman no seu 90.º aniversário, dizia: “Sobre a Grande Depressão. Tens razão, a culpa foi nossa. Lamentamos muito. Mas, graças a ti, não o faremos de novo.”
Num tom mais cauteloso, em 2008, já na fase inicial da crise financeira, Olivier Blanchard, num artigo intitulado “O estado da macro”, afirmava que este era “bom” e descrevia a convergência metodológica a que se tinha assistido nos últimos anos, que culminara nos chamados modelos DSGE: “O resultado mais visível desta nova abordagem são os modelos DSGE. (…) Os modelos DSGE tornaram-se ubíquos. (…) Quase todos os Bancos Centrais têm ou querem ter um. Estes são usados para avaliar regras políticas, fazer previsões…”.
Esta abordagem a que Blanchard se refere tem, na sua base, agentes representativos (um consumidor representa todos os consumidores, uma empresa todas as empresas) que maximizam a sua utilidade ao longo de uma vida infinita e com um conhecimento perfeito do futuro. Um aspeto central neste paradigma é a ideia de que a economia, quando livre de interferências, tende para um ponto de equilíbrio, o que justifica que os parâmetros do modelo sejam escolhidos para que isso aconteça. Este equilíbrio é, depois, perturbado com todo o tipo de choques – choques que causam as flutuações económicas, o que os causa é algo secundário e, em grande parte, ignorado – e o regresso (imposto uma vez mais) ao ponto inicial é analisado. Antes da crise, tudo isto era feito praticamente ignorando dinheiro, dívida e o setor financeiro.
O resultado desta convergência não se limitou a não prever a crise, este nem sequer contemplava a possibilidade da sua ocorrência. Num universo paralelo, longe do delírio abstrato e desligado da realidade em que se tornou a macroeconomia convencional, para vários economistas heterodoxos, cuja abordagem se baseia na estranha ideia de analisar os ativos e os passivos de cada setor da economia e as suas interações, a crise não foi uma surpresa.
Se, antes da crise, a esmagadora maioria das críticas ao estado da macro vinha de fora do edifício neoclássico (e eram, por isso, completamente ignoradas), depois da crise, as mais ferozes e contundentes críticas começaram a ser emitidas por respeitadas vozes do paradigma convencional, sendo, nestes últimos meses, especialmente devastadoras. Bradford Delong caracterizou os modelos DSGE como um programa de investigação degenerativo, um falhanço catastrófico que em 30 anos não produziu qualquer ferramenta útil para fazer previsões ou análise de política económica. Blanchard, ao fazer o ponto da situação, reconheceu, entre outras limitações, que um dos pontos a melhorar é o facto de as premissas dos modelos DSGE estarem profundamente em desacordo com aquilo que sabemos sobre consumidores e empresas.
A este coro veio juntar-se, na semana passada, o recém-nomeado economista chefe do Banco Mundial, Paul Romer, alguém bastante familiarizado com os modelos em questão. Na mais devastadora e ao mesmo tempo hilariante crítica (com gremlins e trolls à mistura) aos últimos 30 anos da macroeconomia, Paul Romer começa por afirmar que “Durante mais de três décadas, a macroeconomia regrediu” e termina dizendo que a macroeconomia atual há muito se desviou daquilo que se pode considerar uma ciência. “O problema não é tanto que macroeconomistas digam coisas inconsistentes com os factos. O grande problema é que outros economistas não queiram saber que os macroeconomistas não querem saber de factos (…) É triste reconhecer que economistas com contributos científicos tão importantes no início das suas carreiras seguiram um trajeto que os afastou da ciência.” Pelo meio, muita coisa interessante, incluindo amizades a impedirem o avanço da ciência. Uma leitura obrigatória para interessados na matéria e que pode ser um sinal de grandes mudanças num campo que bem precisa.