Hoje em dia somos surpreendidos (na realidade, a surpresa é cada vez menor) com fenómenos de populismo espalhados por diferentes geografias, protagonizados por políticos escolhidos democraticamente por pessoas com perfis muito diferentes, e com consequências locais ou globais de magnitude muito distinta. A subida da extrema-direita em França ou em Itália, os bizarros e perigosos Trump e Bolsonaro e até o Brexit são algumas das faces mais visíveis deste fenómeno.

Em que se traduz este populismo político? Na acessão aqui utilizada – inspirada na sucinta definição de Pacheco Pereira –, um movimento ou indivíduo tem uma natureza ou um comportamento populista quando assume uma postura de nós (povo, bom, honesto e trabalhador) contra eles (políticos corruptos e que só se servem a si próprios). O populista assume-se como parte do povo, assumindo as suas dores e tentando criar uma empatia fácil recorrendo sistematicamente a um discurso muitas vezes demagógico e básico e, por isso, de fácil adesão.

O que pode estar por trás deste surgimento global de populismo e populistas? Como se explica este desabrochar em simultâneo e em locais tão distantes e tão diferentes? Que circunstâncias históricas comuns explicam este desabrochar de fenómenos esdrúxulos que parecem nascer como cogumelos? Com diria James Carille, “é a economia, estúpido!”

Vivemos numa época de desigualdades a nível dos finais do séc. XIX. As disparidades na distribuição do rendimento (e da riqueza) atingiram níveis inimagináveis. A riqueza mundial, potenciada pelos incríveis desenvolvimentos tecnológicos e pela globalização, tem aumentado exponencialmente, mas fica nas mãos de muito poucos. Salários baixos, empobrecimento e falta de expectativas, em contrapartida, são o problema de muitos.

O receio pelo futuro do emprego com a crescente automação e frequente desadequação de qualificações ou de competências, a escassez da oferta agudizada pela crise e largamente atribuída à presença de imigrantes, a quem se associa, com facilidade, atos de violência ou mesmo de terrorismo (cada vez mais próximos de casa), geram uma enorme insegurança e ajudam a alimentar ódios: contra estrangeiros, refugiados, e todos os que não são iguais a nós; contra os ricos (ladrões e corruptos); contra os políticos que fazem parte do establishment e que se auto-alimentam; contra os funcionários públicos que não trabalham e recebem melhor que os outros; contra os mais velhos que têm reformas garantidas às custas dos salários dos que trabalham, etc..

As redes sociais, que disseminam informação sem filtros e frequentemente falsa ou alterada, capciosa e representando interesses, ajudam muitas vezes a propagar os receios e os ódios.

No séc. XX, e depois de crises económicas graves, houve um surto semelhante com opções políticas e escolha de líderes autoritários, figuras em certa medida paternais, que nos diziam o que fazer e pensar e nos davam a segurança necessária para fazer face ao dia a dia difícil.

Infelizmente, ainda no séc. XX, uma certa normalidade só foi retomada com o eclodir das guerras. Em particular só depois da segunda é que se percebeu a importância do desenvolvimento de economias equilibradas, de justiça do social e políticas redistributivas fortes. A implementação do estado de previdência social (sobretudo na Europa) permitiu anos de paz e de social-democracia. Políticas de cariz mais ou menos keynesiano e a aposta em modelos de pleno emprego trouxeram um equilíbrio ao panorama político-institucional que nos habituamos a olhar com sendo a normalidade.

Tem que ser pela economia que tentamos resolver o problema. Criação de emprego de qualidade, salários dignos e sustentáveis, promoção da natalidade com condições efetivas de bem-estar das famílias, política fiscal redistributiva que permita a taxação real do capital e do património, aposta crescente num estado de previdência social inclusivo e abrangente.

Estas políticas devem ser globais e muitas delas transfronteiriças. Devem ter um foco nas pessoas e na promoção de maior igualdade na distribuição do rendimento. Devem trazer uma nova confiança na classe política que não é, afinal de contas, mais do que alguns de nós, em funções muitas vezes transitórias; e, como nós, uns mais competentes e outros menos, uns mais sérios e outros menos honestos.