O black-friday e o cyber-monday têm tido na tecnologia um aliado incontornável na conquista do seu inquestionável sucesso, tanto pelo o protagonismo dos produtos tecnológicos nessas campanhas comerciais, como pelos canais digitais que têm permitido alargar horários, geografias e volume de vendas muito para além dos limites físicos do retalho tradicional.
Os elevados descontos aplicados nessas promoções têm popularizado o acesso a produtos tecnologicamente avançados que continuariam inacessíveis para a maioria das pessoas. Por isso, estas campanhas geram facilmente a adesão dos compradores e a simpatia do conjunto da sociedade, salvo os economistas e ambientalistas mais preocupados pelo consumo irresponsável, que veem nelas uma ferramenta de democratização do acesso a uma tecnologia que é cada vez mais indispensável para o desenvolvimento pessoal e a afirmação social. Enfim, coisas boas para a humanidade, que nos dá expressões positivas como “democratização da tecnologia” ou “popularidade” e não palavras com uma maior carga ideológica como “populismo”, tão desgastada para referir o resultado das últimas consultas ao povo.
Eu sou dos que pensam que a maior parte das manifestações humanas, incluindo as nossas escolhas comerciais, são ideológicas porque encerram uma subjetividade que projeta as nossas convicções e têm consequências, muitas vezes imponderadas e subliminares, no nosso comportamento social e político. O acesso ilimitado e, quase sempre, irreflexivo às tecnologias de informação e de comunicação tem fortes implicações para a sociedade, como o fomento da cultura da aparência, em que que as pessoas são escravas dos ecrãs através dos quais vivem a realidade. E é através deles que se geram novos heróis, que vão dos futebolistas aos políticos salva-pátrias, passando pelos concorrentes dos reality-shows com que às vezes se misturam.
Sem o acesso “democrático” a essa tecnologia, utilizada sobretudo para o entretenimento das pessoas, não seria possível a difusão das mensagens banais e insustentadas que têm alimentado o auge do populismo político. A chamada “pós-verdade”, neologismo para a “inverdade” de toda a vida – mas justificada por uma verosimilhança amplificada pela superficialidade e a instantaneidade facilitada pela difusão das tecnologias –, é um subproduto do sucesso das redes sociais para transmitir uma imagem pessoal que se revela, quase sempre, uma miragem da realidade. Esse processo de maquilhar a realidade, mas no âmbito político, tem sido fundamental para canalizar o voto dos descontentes, atingindo um sucesso improvável há ainda poucos anos, mas hoje quase garantido para esta nova geração de “hackers” da democracia.
Não pretendo ser elitista, mas sim apelar a uma maior responsabilidade da sociedade na utilização da tecnologia, sob pena de efeitos indesejados que são difíceis de antecipar. Por isso, oferecer uma gravata ou uma caixa de chocolates pode ser, neste Natal, o maior ato de responsabilidade social.