1 A definição, minimalista, está encontrada: qualquer português preocupado com o evidente agravamento do fenómeno da corrupção é um ‘populista’. Por isso, na opinião de alguns dos mais sagazes políticos do sistema instalado não há qualquer duvida: a candidatura de Ana Gomes à Presidência da República é um produto do populismo de esquerda – que, afinal, parece existir, simétrico do da direita.

Neste momento, em Portugal, quem ache que o combate à corrupção e a agilização dos processos de investigação e judiciais deve ser uma prioridade política, para travar o avanço do crime económico, é um populista.
Paulo de Morais, também ele ex-candidato presidencial, que acaba de lançar “O pequeno livro negro da corrupção”, com muitos nomes e situações de A a Z, é outro populista.

Rui Pinto, como salienta Marques Mendes, com a sua formatação profissional nos influentes escritórios da advocacia nacional, é apenas, e sem qualquer dúvida, um vulgar ladrão de documentos privados.

 

2 Quando Pacheco Pereira e António Lobo Xavier decretam, na ‘Circulatura do Quadrado’, perante o silêncio envergonhado de Ana Catarina Mendes, segunda figura do PS, que Ana Gomes é uma candidata representativa do nóvel populismo nacional, o acordo está selado.

O interessante é que este consenso de regime se forme do PS ao CDS, passando pelo PSD, pela voz de ilustres representantes da área da teologia partidária e dos negócios, da política sempre feita à sombra do Estado; gente que, aparentemente, nunca se engana, raramente tem dúvidas e construiu ao longo dos anos uma máquina de traficância variada, bem oleada, e que de ‘geringonça’ não tem nada.

3 Acredito que alguns destes personagens, não todos, entendam ser coragem a capacidade de questionar esta pulsão que não nasce nas sedes partidárias (pudera!), nos gabinetes ministeriais ou em qualquer das sedes emblemáticas da República, com o Parlamento à cabeça. Atribuo isso, em percentagem considerável, à idade. O Povo, que aos 20 anos estimula os sus líderes, a partir dos 60, em alguns casos casos, apenas aborrece quem dele tinha decidido cuidar. Já era assim na monarquia. Os reis chamavam a isso ingratidão e os nobres, na corte em volta, indignavam-se cada um em voz mais alta do que o outro.

Por cá, como é fácil constatar, os nossos ‘nobres’ atropelam-se nesse frenesim indignado nas televisões ditas de notícias.

 

4 Quem não tem medo do sentimento popular, como a esquerda não tinha outrora, só pode saudar o avanço de Ana Gomes. Aliás, esta candidata não só está a dar conforto a muita gente do PS, renitente ao voto na candidatura que irá ganhar, como constrói o refúgio adequado a quem, querendo André Ventura bem longe da vista, não entende sequer que a esquerda ofereça de bandeja à extrema direita o exclusivo da discussão de temas importantes. O combate à corrupção é o principal. A segurança é um dos outros.

É surpreendente, aliás, que a esquerda não se reveja sobretudo na militância de cidadania de Ana Gomes e prefira emboscar-se ao centro, na teia de interesses de que a Democracia deveria sempre ser inimiga mas que hoje inegavelmente protege, ao mesmo tempo que esmifra os meios dados à investigação e à Justiça. São escolhas. Os próximos anos dirão se esta foi boa.