Diz-se que os Orçamentos do Estado (OE) são os principais instrumentos de política dos governos. De facto, é através desse documento que os governos decidem a quantidade e proveniência dos seus recursos financeiros, e a afectação dos mesmos na sociedade. Decisões importantes como o aumento ou diminuição de impostos, dívida pública, massa salarial do Estado, investimento e distribuição dos recursos financeiros entre sectores económicos estão todas consagradas nos OE.
Porém, este instrumento de política é, essencialmente, de curto prazo: todos os anos os governos têm de fazer um novo. Mais, é um instrumento exclusivamente financeiro, na medida em que é através da captação e distribuição de dinheiro (incentivos ou penalizações monetárias) que se concretizam as políticas desejadas.
Para além disso, em países como Portugal, pertencentes à Zona Euro, os OE são fiscalizados pelos parceiros europeus, tendo que ter o aval destes para a sua implementação nacional. Por essa via são impostos critérios como o respeito por limites máximos do défice e dívida pública (face ao PIB) e trajectórias de convergência dessas grandezas macroeconómicas para valores específicos (tendo em conta constructos teóricos como o PIB potencial).
Ou seja, os OE são instrumentos financeiros, de curto prazo, sujeitos a constrangimentos internacionais.
Obviamente que há medidas num OE que podem ter uma natureza mais estrutural, de longo prazo, que visem mudar comportamentos ou estruturas produtivas. No fim do dia, no entanto, os OE têm sido entregues aos ministros das Finanças, numa lógica muito contabilística e de tesouraria, como se não fosse possível outra abordagem.
Acontece que é possível pensar e fazer diferente.
Países como a Nova Zelândia, a Islândia ou a Escócia (para citar apenas alguns pioneiros) estão a mudar a abordagem que fazem aos OE, definindo como prioridade dos mesmos não o cumprimento de certas metas financeiras, mas objectivos económicos de maximização da felicidade. Essa mudança de perspectiva é fundamental: é que o objectivo da política é a felicidade, não o PIB.
A partir do momento em que se define, explicitamente, que o OE tem que estar ao serviço da felicidade, e não das finanças, aquilo que se vai fazer é medir os impactos que as opções orçamentais possam ter na felicidade. E as restrições financeiras passa a ser apenas isso: restrições, não objectivos.
Neste paradigma, aquilo que os governantes têm que apresentar, e se orgulhar, é o desenho de esquemas orçamentais inteligentes que consigam atingir as metas da felicidade. Não se vangloriarem por fazerem o PIB crescer x, o défice ficar em y, ou a dívida descer para z.
Sendo certo que há restrições financeiras que têm que ser cumpridas (mas não têm que ser as que a Zona Euro escolheu), por forma a não se comprometer a sustentabilidade orçamental das nações, a mudança explícita do objectivo é fundamental: obriga-nos a medir a felicidade e a avaliar as políticas orçamentais em função do impacto que têm na felicidade. Mais, faz com que o OE não seja “propriedade” do ministro das Finanças, antes um instrumento do primeiro-ministro, idealmente com a colaboração de um ministério da felicidade ou bem-estar, que tem no ministro das Finanças um executor contabilístico do mesmo.
E esse é um passo de rigor. Actualmente, muitas medidas orçamentais são classificadas como boas para o país quase por achismo. Aquilo que se analisa com cuidado é o impacto do OE nas variáveis financeiras (dotações orçamentais sectoriais, dívida, défice, PIB, etc.). Mas não se medem os verdadeiros impactos no bem-estar.
Fazer tal mudança em Portugal é mais difícil enquanto não for feita também ao nível da Zona Euro. Mas devíamos tentar ser pioneiros e começar a fazer verdadeiros OE para a felicidade.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.