“Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, mas cada família infeliz é-o à sua maneira” (Tolstoi).

Há intervenções que, de tão doutas e exímias reflexões, merecem ser difundidas e reproduzidas, como a que trago nesta crónica. Não só por não ter sido, na altura, tão mediatizada no nosso fórum nacional, como pelo seu teor e sobretudo fulgor com que foi proferida. Recuemos a 30 de março de 2019, ao discurso da deputada italiana Giorgia Meloni no Congresso Mundial da Família, realizado em Verona. Ele centra-se em Itália, mas não se fica por ali, estendendo-se a outros Estados com as suas leis, políticas e ideologias nem sempre concordantes às famílias.

Volvidos cinco meses, continua intemporal e perfeitamente ajustado a este tempo real, que tantas vezes – pela sua insensatez – teima em querer ser irreal! As partes a citar (entre “…”) dessa intervenção, feita constante interpelação – e aqui corroboradas e partilhadas –, são chaves e instrumentos de análise para este mundo, que também é nosso e que por inúmeras vezes demonstramos não querer saber, pelo desleixo com que o tratamos, pela apatia com que o enfrentamos, pela ignorância com que o fragmentamos, pela rudeza com que o dissecamos.

Houve quem acusasse, nesse congresso, todos os que são a favor da Família e defendem vincadamente esta instituição milenar, a Família – donde todos provimos, nela nos provemos e dela provamos –, de serem “retrógrados”, “perdedores”, “não apresentáveis” e “obscurantistas”, considerando esses ser “um escândalo que haja alguém que queira defender a família natural fundada sobre o matrimónio, que queira incentivar a natalidade, que queira dar o justo valor à vida humana, que queira ter liberdade educativa e queira dizer ‘não’ à ideologia de ‘género’”.

Deste modo, e fazendo ricochete a tal acusação, entenda-se como retrógrado quem quer fazer censura aos temas sobre a Família, quem quer denegrir tal núcleo duro de toda e qualquer Sociedade, quem quer privar e proibir este tipo de encontros. É pelo encontro de alguém que estamos e que vamos, é por ele e nele que nos erguemos e reencontramos. Juntos pelas pessoas e por causas, não por casos nem por coisas!

Entenda-se que obscurantista é quem apoia o vazio, o nada, o cinzentismo dos dias e das noites, o inculto feito perigoso oculto, os rituais de morte forçada e infundamentada; é quem não aceita os crentes, os sinais e os símbolos de toda e qualquer religião, querendo reduzi-los, fazer-lhes mal e livrar-se da vida humana.

Entenda-se que não apresentáveis “são aqueles que sustentam práticas como as barrigas de aluguer, o aborto ao nono mês e a tentativa de bloquear com hormonas o desenvolvimento das crianças de 11 anos! Isso é não apresentável”.

Entenda-se que todos esses indivíduos que alimentam e se alimentam de escândalos alimentam-se muitíssimo mal, porque os escândalos em nada saciam, são apenas “ervas daninhas”, não têm qualquer nutriente, nem fibras nem vitaminas e em nada são proteicos. Ora os escândalos são ricos em gorduras e em ácidos. E com excesso! Toldando a mente (e o sentimento) dos seus dizedores e seguidores, tornando o seu pensamento tão insano quanto obeso. Nesses escândalos, esses ditos-cujos são quem, na verdade, querem “limitar a liberdade das mulheres” e as quer “em casa, a passar a ferro”.

E, portanto, entenda-se que perdedores são todos estes negativistas e adeptos da seita anti-Família. E defender a Família, todos os seus membros – os pais, mãe e pai, e respetiva maternidade/paternidade –, é defender as mulheres, já que “apenas em torno de uma mulher que ama se pode formar uma família” (F. Schlegel). É querer garantir direitos que hoje não existem, tais como:

– “O direito de uma mulher ser mãe sem ter por isso que renunciar a um posto de trabalho”;

– “O direito de uma mulher ser mãe, escolher não trabalhar, e não ter por isso que morrer de fome”;

– “O direito de uma mulher que pensa que tem que abortar porque não tem alternativa, ter essa alternativa. Porque não é verdade que hoje é garantida a autodeterminação da mulher! Se uma mulher só tem a possibilidade de abortar, isso não é autodeterminação”.

Deste modo, foi então solicitada uma moratória em sede da ONU para declarar as barrigas de aluguer “crime universal”, considerando-as naturalmente “uma mortificação e uma violência sobre as mulheres”. Será que esta ‘nova’ Europa – após recente ato eleitoral com novos (e velhos) parlamentares e, agora, com uma mulher a presidente da Comissão Europeia – incluirá este tema na sua agenda? Pois é vergonhoso que “não tenha nas suas linhas prioritárias de financiamento o tema da natalidade”.

Outro ponto importante a relevar é que alguém, mesmo tendo um filho fora do casamento ou não sendo casado, tenha esta capacidade de defender a Família e reconhecer o seu papel crucial. Ou seja, esse alguém – ao não estar a viver a experiência do matrimónio – não é egoísta ao ponto de pretender que o Estado o reconheça e favoreça, mas deseja que conceda “os privilégios que deve reconhecer a uma família casada”.

E que “a cada escolha que se faça se sigam as consequências e que cada um tenha que assumir a responsabilidade”. Há que repudiar, em cada Sociedade, onde “cada capricho se converta num direito e na qual não se tenham responsabilidades e só se tenham direitos”.

Há tantas questões credíveis que se podem colocar e que pecam por falta de respostas prudentes. Alguns exemplos:

– “É justo que um filhote de cão não possa ser retirado recém-nascido do ventre da sua mãe e isso se possa fazer com um bebé, filho de uma pessoa, de uma mãe desesperada que o vende, comprado por dois homens ricos?”;

– “Por que os juízes italianos tiram a custódia a pais casados, pais naturais de uma menina, porque entendem que esse casal é demasiado velho (52 e 54 anos) para fazer crescer esta filha natural e lha tiram contra a sua vontade? Mas se se trata de dois homens de mais de 50 anos que vão comprar um ‘filho’ ao estrangeiro isso está bem? Porquê?”;

– “Por que é que nos preocupamos com qualquer discriminação, mas fazemos de conta que não vemos a maior perseguição que é o genocídio de cristãos no mundo? Porquê? (Note-se que 245 milhões são perseguidos em todo o mundo, tendo aumentado em 40% o número de mortes em 2018, com mais de 4.000 assassinatos a cristãos)”;

– “E por que a família mete tanto medo?”. Quer queiramos, quer não, “porque nos define, porque é a nossa identidade”. Logo, “hoje é um inimigo. Porque quiseram que não tivéssemos mais uma identidade… Por isso está sob ataque a identidade nacional, a identidade religiosa, a ‘identidade de género’ e a identidade familiar… Devo ser o cidadão X, género X, progenitor 1, progenitor 2, devo ser um número. Porque quando for somente um número, quando não tiver mais uma identidade, quando não tiver mais raízes, então serei o escravo perfeito à mercê da grande especulação financeira, o consumidor perfeito”.

E por que há tantas distrações e impedimentos para não termos as respostas que buscamos, em ações práticas, para estas e outras mais perguntas? Elas têm tanto de dramático como de pertinente e são espelho da nossa realidade, com imensa futilidade… Porquê?

E como escreveu Chesterton: “Fogos serão acesos para demonstrar que dois mais dois são quatro. Espadas serão empunhadas para demonstrar que as folhas são verdes no verão”.

“Esse tempo chegou, senhores. E estamos prontos”.