O capitalismo global contemporâneo é marcado por enormes movimentos de capitais, por elevados níveis de investimento externo e por taxas record de comércio internacional. Estes fluxos canalizam-se, sobretudo, através das bolsas financeiras, dos fundos de investimento, de e para empresas multinacionais e de e para as nações.
A guiar essas movimentações temos os preços dos activos e dos derivados, as informações privilegiadas, o branqueamento de captais, a optimização fiscal, o espírito especulativo, os balanços das empresas e os ratings de risco (sejam de dívida pública, de produtos financeiros compostos, de obrigações, de nações, etc.). De todas essas peças informativas que guiam o investimento e ditam as alocações do capital, nada respeitante ao humanismo, ao cumprimento dos direitos humanos, é tido em conta.
Mais, como os consumidores não têm acesso à informação relativa a esse tipo de incumprimento, nem sequer os cidadãos motivados pelo humanismo conseguem influenciar o mercado através das suas decisões de compra. Assim, não surpreende que o capitalismo global nos esteja a falhar em áreas críticas como o ambiente, os direitos humanos ou a felicidade. As informações que condicionam o sistema são “cegas, surdas e mudas” relativamente a esses aspectos vitais da nossa vida, da nossa sustentabilidade.
Quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi criada, não foi para ficar no papel. Mas foi passada ao papel para que se tornasse um standard de comportamento. Certo é que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial até agora, só percorremos uma pequena parte na implementação global desses direitos.
Quando a lógica do mercado de capitais olha apenas para onde, quando e como se consegue multiplicar mais rapidamente os ditos, é fácil acontecerem situações em que a neo-escravatura, a exploração do trabalho infantil, o pagamento de salários miseráveis, a utilizações de horários abusivos, o aproveitamento de paraísos fiscais ou a exacerbação do espírito competitivo e do desrespeito pela sustentabilidade humana e ambiental sejam compatíveis com a maximização da rentabilidade.
Assim, não podemos ficar à espera que os agentes dos mercados de capitais – muitos até já são inteligências artificiais – mudem o seu comportamento por altruísmo. Temos, antes, de criar mecanismos automáticos que induzam o sistema a respeitar o humanismo.
Uma das formas de se conseguir tal feito seria a criação de agências de rating que, em vez de medirem o risco de crédito, medissem o risco de incumprimentos humanistas. Esse rating seria, depois, usado como informação decisiva para se alocar capital. Assim, só recursos financeiros com boa notação poderiam integrar fundos de pensões, só os países com boa notação poderiam ter acesso ao crédito (lá se ia o rating A da Arábia Saudita), só empresas com boa notação poderiam captar investidores (lá se ia o rating A+ da Amazon, onde os trabalhadores de armazém mal têm tempo para ir ao quarto de banho), só entidades com boa notação poderiam ser elegíveis para fundos comunitários.
Enfim, uma vez criado tal rating e introduzida a obrigação legal do mesmo, através de imposições bancárias e regulamentação nos mercados financeiros, bastava deixar a máquina rolar e lá se conseguiria canalizar o capitalismo global na direcção dos direitos humanos.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.