Se dúvidas restassem que muito tem de evoluir na relação entre o Estado e os cidadãos, bastaria percorrer vários pontos do país para observar as filas que se formam, ainda de madrugada, em inúmeras entidades públicas. Os postos de atendimento do Instituto dos Registos e Notariado (IRN), com as longas filas para a renovação do cartão de cidadão, são o exemplo talvez mais conhecido deste fenómeno urbano.

Como em muitos outros organismos do Estado em que a informação disponibilizada ao cidadão é escassa, atrasada ou mesmo inexistente, os últimos dados disponibilizados pelo IRN em relação à qualidade do serviço referem-se à semana de 3 a 8 de junho. Nessa semana, nos 17 postos de atendimento do distrito de Lisboa para renovação ou emissão do cartão de cidadão, em 16, o tempo de espera para ser atendido era superior a 45 minutos, um eufemismo para um valor que era certamente da ordem de grandeza de várias horas, isto sem contar com o tempo de espera para obter a senha de atendimento.

Dados mais recentes, se os há, não foram publicados. Objetivos bem definidos, com indicação de como e quando se iria resolver esta situação, e de quem é responsável pela mesma, se existem, também não são públicos.

Como cidadãos não podemos deixar de nos perguntar porque é que, com os meios tecnológicos que hoje existem e as inúmeras medidas de modernização administrativa tão frequentemente propagandeadas, se demora hoje mais tempo a renovar o cartão de cidadão que o bilhete de identidade há 50 anos?

Porque é que recolher dados biométricos, assinar, criar fisicamente o cartão e entregá-lo ao cidadão tem de demorar mais do que alguns minutos? Qual a necessidade de esperar horas para ser atendido, receber em papel os códigos do cartão de cidadão e eventualmente ter de regressar para ativar o mesmo? E porque é que isto tem de ser feito pelo Estado, e não por qualquer cidadão empreendedor que se ache capaz de recolher dados biométricos e assinatura de uma maneira muito mais eficiente que o IRN?

A solução não é que o IRN precise de mais recursos (financeiros ou humanos). As receitas do IRN aumentaram de aproximadamente 250 milhões de euros em 2013 para 380 milhões de euros em 2017 (último ano com dados disponíveis), enquanto que as despesas tiveram um crescimento mais modesto de 250 milhões de euros para 320 milhões de euros no mesmo período, como resultado, em parte, da redução do número de funcionários de aproximadamente 5.500 para 4.900.

O excedente, na forma de transferências correntes, em vez de ser aplicado na sua totalidade na redução do custo dos serviços (por exemplo, diminuição do custo da renovação do cartão de cidadão), ou na modernização dos mesmos, foi utilizado para financiar outras entidades do Estado. Renovar o cartão de cidadão tornou-se um imposto escondido como tantos outros.

Dirão os mais céticos, ou aqueles que procuram desculpas para o que deviam ter feito e não fizeram, que a redução de funcionários explica a degradação da qualidade dos serviços. Se há regiões ou serviços onde os tempos de espera que referi acima são muito inferiores, o que temos é uma má distribuição de recursos humanos, e não uma falta de qualidade, quantidade ou dedicação dos funcionários, os quais muitas vezes trabalham em condições longe de serem eficientes e produtivas.

E porque não abrir à concorrência saudável da iniciativa privada parte dos serviços prestados pelo IRN? A recolha de dados biométricos, com as devidas salvaguardas, pode perfeitamente ser feita por entidades privadas. Em Portugal, nem se discute tal tema, dada a intrínseca aversão e desconfiança do Estado em tudo o tem a ver com a iniciativa privada.

Mas o que faz o Estado (neste caso por via do Ministério dos Negócios Estrangeiros)? Contrata empresas privadas, de capital estrangeiro, para a recolha de dados biométricos para efeitos de emissão de vistos em diversos consulados portugueses pelo mundo fora. Não sendo, portanto, uma questão de recursos o motivo das intermináveis filas, o que sobra é uma questão de gestão e de princípios ideológicos sobre o funcionamento e papel do Estado.

De gestão, porque se demonstrou que o Estado não é um bom gestor, e como tal deve ser substituído, o que na prática se traduz em substituir os responsáveis por esta trapalhada interminável. De ideologia, porque enquanto tivermos um Estado que insiste em tentar resolver o que já se demonstrou que não consegue resolver, continuaremos a ter filas intermináveis e aumentos de impostos.

O Estado que obriga os cidadãos a desperdiçar horas apenas para obter uma senha de atendimento e que os obriga a desperdiçar ainda mais tempo para serem atendidos, quando as soluções estão à vista de todos, não é o Estado eficiente e moderno que todos desejamos, e para o qual contribuímos com uma das mais elevadas cargas fiscais da Europa.

Um Estado melhor, mais eficiente, e mais justo na aplicação dos nossos impostos, não tem de ser um Estado maior. Pelo contrário, tem de ser um Estado mais pequeno que se concentre nas suas obrigações e deixe de ser um empecilho à livre iniciativa dos cidadãos.